Quatro Estados e quatro sotaques no Visa

A quarta eliminatória do concurso teve candidatos de Minas, Rio, São Paulo e Bahia

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Por Agencia Estado
Atualização:

O grupo vocal carioca BR-6, a cantora mineira Titane, o pianista e cantor paulista Claudio Goldman e a cantora baiana Jhanaína Carvalho foram os candidatos que se apresentaram, na quarta-feira, na quarta eliminatória do Prêmio Visa de MPB - Edição Vocal. Embora o prêmio tenha recebido inscrições de todos os Estados - foram quase 2 mil pretendentes às 24 vagas das eliminatórias -, Rio, São Paulo e Minas foram os que predominaram, feita a pré-seleção. E a quarta eliminatória começou com o grupo do Rio. Apesar de chamado BR-6, é, na verdade, um quinteto com um convidado especial, o percussionista vocal Marcelo Manes. Eles cantam a capela, ou seja, sem acompanhamento instrumental. São quatro vozes masculinas e uma feminina, a de Crismarie Hackenberg. Ela contou para a platéia que existe, na sua cidade, um movimento de valorização do canto a capela - e o BR-6 é parte desse movimento. Eles cantam muito bem, timbram - combinam as vozes - espetacularmente, elaboram arranjos sofisticados para repertório de primeira grandeza. Mas a abordagem do repertório pode ser discutida - e discussões são sempre saudáveis. O BR-6 procura aproximar Jobim, Marcos Valle, Edu Lobo de um sotaque negro norte-americano, coisa que, aliás, anda muito em voga. Os solistas (eles se revezam nos solos) cantam com voz anasalada (o inglês é uma língua nasal) e adaptam sílabas portuguesas para que soem de acordo com o funk (em Eu Sei que Vou te Amar, de Tom e Vinícius de Morais), com o cajun e o reggae (em Upa, Neguinho, de Edu Lobo e Giafrancesco Guarnieri), com o blues (em Eu Preciso Aprender a Ser Só, de Marcos e Paulo Ségio Valle). O baque do samba volta funkeado no último número do grupo, Sai Dessa, de Nathan Marques e Ana Terra. De aproximações também é feita a música de Titane, que aplica elementos do pop ao pulso dos tambores negros de Minas - mas são esses tambores, não aqueles elementos buscados fora, que determinam o sotaque. Ela é um bicho de palco, artista de forte expressividade cênica. Canta descalça, como que reafirmando o compromisso com a terra. Acompanhada por grandes músicos (Gilvan de Oliveria e Weber Lopes, violões; Sérgio Silva, percussão; e Ivan Correa, contrabaixo), imprime sua marca em músicas de compositores tão diferentes quanto o paulista Luiz Tatit (Felicidade) e o carioca - de olho no Nordeste - Gonzaguinha (Galope). Em Felicidade, Titane canta como se fosse criança. É a história de alguém que não sabe por que é tão feliz assim, se nada vai bem - nem o amor, nem o trabalho, nem a casa, nada na vida. Da fase irada do carioca (do morro de São Carlos, berço do samba) Gonzaguinha, Galope apropria-se do baião a que Titane empresta força dramática impressionante. Seus gestos completam seu canto. "Às vezes, o gesto determina a inflexão que vai merecer certa palavra", disse ela, depois da apresentação. No seu repertório estavam ainda Paula e Bebeto, de Milton Nascimento e Caetano Veloso (em pulso de folia), e Dança, de Chico César (que comungou congada e heavy metal). O paulista Claudio Goldman começou só, no palco, acompanhando-se ao piano em Caicó, domínio público adaptado por Villa-Lobos, com letra de Teca Calazans. Como introdução usou Asa Branca, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, autores também de seu terceiro número, Assum Preto. Claudio Goldman joga com dados sentimentais. Suas leituras são sempre lentas e leves, como acalantos, e sua opção de repertório privilegia as melodias redondas e os versos delicados. Seus dois outros números foram O Filho que Eu Quero Ter, de Toquinho e Vinícius de Morais, e Mundo Melhor, de Pixinguinha e Vinícius. Para que se meça o risco da escolha: a canção de Toquinho e Vinícius foi gravada por Chico Buarque; o samba de Pixinguinha consagrou-se na voz de Ciro Monteiro, que fez dele seu prefixo. Encerrando a noite, a baiana Jhanaína Carvalho mostrou repertório primoroso e atrapalhou-se com o nervosismo - afinal, estão em jogo prêmios no valor total de R$ 200 mil. Ela sacou do balaio uma das mais belas canções de Celso Viáfora, Deslumbramento, e a obra-prima Altos e Baixos, de Sueli Costa e Aldir Blanc. Ainda: apresentou autor novo - pelo menos para ouvidos do sudeste -, um certo Ray Gouveia, autor de letra e música do bom samba Valeu, Cabral e da engraçada, crítica e inteligente letra do choro Alô, Elite (música de Arnaldo Almeida).

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