Quarteto londrino estréia atacando políticos

Com seu CD de estréia Silent Alarm, o quarteto londrino Bloc Party faz um rock furioso e dançante. Ouça Blue Light

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Por Agencia Estado
Atualização:

O aparecimento ocasional do rótulo ?dance rock? pespegado ao quarteto londrino Bloc Party não deve afastar os roqueiros. Seu CD de estréia, Silent Alarm, que está saindo aqui pela Warner, é perfeitamente dançante e furiosamente roqueiro, sim. Nada a ver, porém, com a pavorosa ?disco music? que, nos anos 70, ameaçou monopolizar toda expressão corporal associada a sons em torno de tipos ridículos como Tony Manero. Kele Okereke (voz e guitarra), Russell Lissack (guitarra), Gordon Moakes (baixo e vocais) e Matt Tong (bateria), todos em seus 20 e poucos, começaram a se criar, musicalmente falando, quando ainda não eram nem nascidos: no verão punk de 1976. E um aspecto pouco lembrado dele é que Johnny Rotten & Cia. não estavam só interessados em cuspir nos velhos roqueiros aburguesados mas também em retomar espaço, ?pogando?, nas pistas das discotecas - e, assim reafirmar a ligação do rock com a dança. O Bloc Party, portanto, apenas restaura essa conexão, vital desde Elvis The Pelvis. Suas ferramentas são uma sessão rítmica violenta e funkeada, que remete ao redivivo grupo Gang of Four, e melodias e guitarras tristonhas, que evocam o Cure. Com tintas de Public Image Ltd (a banda pós-Sex Pistols de Rotten), Clash e Joy Division. A árvore genealógica é basicamente a mesma de dois outros jovens e grandes grupos britânicos, o Franz Ferdinand (de Glasgow, Escócia) e os Futureheads (de Sunderland, nordeste da Inglaterra). Colegas num tal de ?movimento angular?, os três conjuntos estrearam no ano passado com CDs que botaram a rapaziada da Velha Albion para salivar. O Franz Ferdinand tornou-se o mais badalado (e o primeiro a ter seu álbum lançado aqui). Os Futureheads são, na minha opinião, o melhor (a Warner estuda botar seu disco nas lojas brasileiras). E o Bloc Party, já a partir de seu nome, é o mais politizado: ele significa ?partido de coalizão?. Ao mesmo tempo, e é importante não perder o duplo sentido, ?party? também é ?festa?. Política e dança. Esse não era, afinal, o combustível do Gang of Four, i.e., Camarilha dos Quatro? (Há ainda uma outra leitura para essa coalizão: o Bloc Party é multirracial. Okereke é negro; Lissack e Moakes, brancos; e Tong, amarelo.) E, por falar em combustível, a faixa Price of Gas é a versão do Bloc Party para o slogan anti-Guerra do Iraque ?no blood for oil?. Precedido pelo som de pés numa marcha acelerada, Okereke canta ?Dirijo um carro médio/ Nunca feri ninguém/ Isso é verdade?/ O preço da gasolina continua a subir/ Nada vem de graça?, antes de descrever como a questão vai ser resolvida, ?com espadas e cassetetes, canhões e espátulas?. A faixa anterior, Pioneers, prepara o terreno com versos como ?Você disse que nós vamos conquistar novas fronteiras/ Vá meter sua maldita cabeça na boca da besta/ Nós prometemos ao mundo que iríamos domesticá-lo, o que esperávamos?? Não creio que esse Bloc Party tenha se alinhado com o primeiro-ministro Tony Blair na eleição da semana passada. O melhor de Silent Alarm, contudo, está na sua primeira metade. Dela constam, em seqüência, os hits Like Eating Glass e Helicopter e, mais adiante, a trinca Blue Light, She?s Hearing Voices e This Modern Love - as melhores canções do Bloc Party. Em conjunto, elas têm um brilhante senso de urgência e melancolia. ?Eu ainda sinto você e o gosto dos cigarros/ O que eu poderia alcançar?/ Apenas me diga que está te dilacerando/ Apenas me diga que não consegue dormir?, ora a primeira, falsamente delicada. She?s Hearing Voices prossegue nesse clima de terror e insônia para, graças a uma levada empolgante, se tornar uma espécie de versão do século 21 para She?s Lost Control, do Joy Division. ?Ela tem medo dos negros/ E ela tem medo dos judeus/ Ela anda por aí/ Ela é notícia velha?, aponta Okereke. Na seqüência, This Modern Love se queixa, triste mas dançantemente, ?este amor moderno me quebra/ este amor moderno me desgasta?. É como se as letras do Bloc Party se dirigissem ora a um político ora a uma moça que fizeram por desmerecer a confiança do cantante. Canções da desconfiança. O calcanhar-de-aquiles dessa nova Guerra de Tróia está na duração de Silent Alarm. Enquanto Franz Ferdinand e Futureheads, para ficar apenas nos parceiros do Bloc Party, deram seus recados iniciais em menos de 40 minutos, o quarteto londrino chega perto dos 60, com músicas que quase sempre se estendem por mais de quatro minutos a fim de criar o clima desejado. Assim, a audição integral do álbum, de enfiada, fica um pouco cansativa e, sem querer, expõe a repetição de certas idéias, boas mas repetidas. Faça como se tivesse nas mãos um LP: na hora de ouvir, ?divida? o CD em lado A e lado B.

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