Quarteto da Cidade comemora 80 anos

Grupo festeja com dois concertos o início da temporada 2015

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Por Redação
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O Quarteto da Cidade de São Paulo abre hoje, 2, e amanhã, 3, com dois concertos, sua temporada de 2015, ano marcante porque comemora seu 80.º aniversário de atuação ininterrupta. O grupo foi criado por Mário de Andrade, então diretor do Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo, nos meses finais de 1935, como corpo estável do Teatro Municipal de São Paulo, ao lado do Coral Paulistano e da Orquestra Sinfônica. Sua missão: difundir a música de câmara e estimular compositores brasileiros à composição de novo repertório para o gênero. 

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Começou como Quarteto Haydn, tributo ao fundador virtual do gênero quarteto de cordas, no século 18; mudou para Quarteto de Cordas Municipal em 1944; e desde 1981 é o Quarteto de Cordas da Cidade de São Paulo. Ao longo deste ano comemorativo, o quarteto - hoje formado por Betina Stegman e Nelson Rios aos violinos, Marcelo Jaffé à viola e Robert Suetholz ao violoncelo - comandará duas séries de concertos: uma dedicada a Haydn e Mozart; e outra com convidados como Fábio Zanon e André Mehmari, entre outros. Sempre na Sala do Conservatório, na Praça das Artes, ao lado do Teatro Municipal.

Hoje às 20 horas na Praça das Artes e amanhã, sexta-feira santa, às 16 horas, na Capela da PUC, nas Perdizes, eles tocam, entre as missas, As Sete Últimas Palavras de Cristo na Cruz, uma impressionante e inédita série de sete adágios compostos por Joseph Haydn em 1787, por encomenda de sacerdotes da igreja de Cádiz, na Espanha. Foi na sexta-feira santa daquele ano que a obra estreou, entremeada de prédicas sobre cada uma das sete palavras de Cristo na cruz.

Ambas as apresentações têm um importante diferencial: o magnífico cravista brasileiro Nicolau de Figueiredo - hoje radicado em São Paulo e dono de imenso prestígio no mundo da música historicamente informada europeia - improvisará o “baixo contínuo”. Era assim que se chamava a parte de cravo em geral improvisada, no século 18, criando um colchão harmônico para os demais instrumentos na prática camerística. Nicolau recriará esta difícil e hoje esquecida arte do improviso na música barroca, pré-clássica e clássica europeia. 

Só isso faz desses dois concertos verdadeiros acontecimentos na temporada 2015 de concertos em São Paulo. As Sete Palavras, obra para a qual Haydn criou outras versões, para orquestra e com voz, constituem uma das criações mais originais do século 18. Haydn sentiu o peso quando “um cônego de Cádiz”, disse ele em raro documento preservado, “pediu para compor uma música instrumental sobre as sete últimas palavras de Cristo na cruz”. Descreve como naquele dia a capela foi escurecida ao meio-dia. “Após um prelúdio apropriado, o bispo subia para a cátedra, pronunciava uma das sete palavras e a comentava. A seguir, descia e situava-se à frente dela. Esse intervalo de tempo era preenchido pela música. (...) A tarefa consistia numa sequência, sem perder a atenção do público, de sete adágios que deviam durar, cada um, por volta de 10 minutos - e não foi nada fácil.”

De fato, embora, como anota Marcelo Jaffé, Haydn promova alterações de andamento, avançando para um andantino, afastando-se aqui e ali de um verdadeiro adagio, a verdade é que a tarefa era dificílima para compositores que combinavam o gosto pela criação com a necessidade de manter o público ligado em sua música. Sabiam que a eficácia de sua arte se media também pelo interesse que provocava em quem a ouvia.

Aos que assistirem aos concertos de hoje ou amanhã - e também aos que não estiverem lá -, fica a sugestão de assistirem em DVD de 2007, do selo Alia Vox, à imperdível versão orquestral da obra, em recriação exata da estreia na própria igreja de Cádiz em 1787. Jordí Savall comanda Le Concert des Nations. 

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Com um diferencial espantoso: cada uma das palavras é comentada pelo teólogo catalão Raimon Panikkar e por José Saramago. Um exemplo da injeção de atualidade que Savall opera milagrosamente, ao convidar Saramago, ateu confesso. O genial escritor português começa assim suas reflexões sobre a frase “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o fazem”, a primeira do Cristo, já crucificado ao lado de dois ladrões: “Deus, Pai, aqui me tens sou o da cruz alta, que está ao centro, e os homens aqui me fazem companhia, um de cada lado, são dois ladrões vulgares, daqueles que se contentam em roubar pouco, que se fossem dos que roubam muito de certeza não viriam aqui crucificados”

QUARTETO DE CORDASPraça das Artes. Av. São João, 281, 4571-0401. Hoje, 20 h. R$ 20. Capela da PUC. Rua Monte Alegre, 948. 6ª, 16 h. Grátis. 

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