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Quarteto carioca de surf music mostra 1.º trabalho

Liderados pelo cantor e guitarrista Carlos Alexandre, o quarteto carioca Netunos lança Alto-Mar

Por Agencia Estado
Atualização:

Em 1996, a Rhino lançou uma espetacular caixa de quatro CDs que funcionava como uma enciclopédia da surf music. Chamada Cowabunga!, ela reunia Dick Dale, Beach Boys, Surfaris, Jan & Dean, Bobby Fuller Four, The Pyramids... A nata daquele subgênero salgado do rock, marcado por rapidez e reverberação, com algumas doces harmonias vocais separadas para o luau, à noite. Dez anos depois, o Brasil escreve uma nota de pé-de-página - mas que bela nota! - a essa história bacana por intermédio do primeiro CD do quarteto carioca Netunos: Alto-Mar (lançamento Rastropop, distribuição Tratore). Os caras, liderados pelo cantor e guitarrista Carlos Alexandre, estão tentando pegar a onda-rainha dos seus sonhos desde 1999. Como costuma acontecer com quem faz surfe e rock alternativo, eles tomaram muitas vacas, ralaram a cara na areia, enquanto iam atraindo para seus shows gente como João Barone, Toni Garrido, Leo Jaime, Roger Rocha Moreira, Marcelo Camelo. Só o disco, em si, levou três anos para ser gravado e lançado. Embora nenhum homem surfe a mesma onda duas vezes, Alto-Mar continua mandando bem. O disco se mantém de pé - em cima de uma prancha metafórica - basicamente por dois motivos. O primeiro, lógico, é a perseverança de Carlos Alexandre e de seus colegas de banda. No caso específico das gravações, JP Cuenca (guitarra), Tito Boechat (baixo) e Cid Boechat (bateria), produzidos por Jr. Tostói. Não é fácil nadar contra a corrente para provar que a surf music não se afogou nos anos 60, sua época áurea. O segundo motivo é a própria qualidade do estilo estabelecido pelos heróis mencionados no primeiro parágrafo deste texto, entre muitos outros. Aquelas guitarrinhas comunicam uma urgência sem igual. O legado da surf music sobreviveu não só entre as bandas mais recentes do subgênero, como Eliminators ou The Boss Martians, não apenas na memória afetiva de cultores em praias inusitadas, como Laika & The Cosmonauts (da Finlândia) ou Bambi Molesters (da Croácia). Sobreviveu, também, em plena linha involutiva do rock, ou seja, no punk e no pós-punk: ela está lá, nos acordes de Ramones, Radio Birdman e The Jesus & The Mary Chain. Tanta memória se faz necessária para que a garotada não ache que surf music é o sinônimo mais apropriado para o que fazem Jack Johnson ou Donavon Frankenreiter, caras legais, mas bem mais tranqüilos do que a tradição homenageada pelos Netunos. Dick Dale e os Beach Boys até constam dos agradecimentos. O mérito de Alto-Mar A grande delícia de Alto-Mar é pegar todos os clichês do subgênero em seu estado mais puro, pré-garagem, pré-punk, sacudir os grãos de areia e mostrar que eles não vazaram de uma ampulheta. A nostalgia, afinal, não tem lugar no surfe: a melhor onda é sempre a próxima. Os Netunos usam este mar que é forma e conteúdo como cenário para histórias que nem sempre falam explicitamente de água salgada. É o caso, por exemplo, da grande faixa de abertura do CD, Bem-Vindo ao Clube, que fala dos estragos feitos por uma serial teaser: "Meu amigo/ Você não foi o primeiro/ Muito menos o último homem de quem ela destrói o coração/ Bem-vindo ao clube/ Essa foi sua inscrição." Claro, também há felizes encontros entre forma e conteúdo, como Praia do Diabo (aviso aos haule: uma pequena e bravia faixa de areia, meio escondida entre o Arpoador e Copacabana). Nessa que é, na minha opinião, a melhor faixa do CD, uma garota chora o desaparecimento, há um ano, do seu homem. "No meio da noite/ Dentro de uma onda/ Desse jeito ele se despediu/ E toda a coragem/ Que ele teve ao encarar/ Aquele mar/ Faltou/ A ela para chorar", diz a letra de Carlos Alexandre. Os Netunos, porém, acertam inclusive quando dispensam os versos para dar o seu recado, como é o caso das instrumentais 120 e Aloha, Pancho, que, num hipotético LP, respectivamente fechariam lado A e lado B. Os 40 minutos de disco passam voando - como quem está se divertindo, de um lado e de outro do aparelho de som. Os Netunos continuam se divertindo por aí. Segunda-feira, aliás, fizeram um show na Melt, casa noturna do Leblon, dividindo o palco com o Canastra. Atualmente, Carlos Alexandre e os irmãos Boechat têm a companhia do guitarrista Dimitri Alencar, fã do Weezer. O JP Cuenca do CD decidiu dedicar-se, com sucesso, à literatura como João Paulo Cuenca mesmo, autor do romance Corpo Presente (Editora Planeta). Entre as 12 faixas de Alto-Mar, Cuenca co-assinava três, Dezembro (com Carlos Alexandre e Cid Boechat), Mais Bela Tarde (com Cid) e Aloha, Pancho (com Carlos). Independentemente de quem for seu autor, a primeira tem um versinho singelo e eficiente, que vale por uma frase de encerramento: "Dezembro só existe quando ela sorri para mim."

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