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Projeto Brasil em Concerto regasta a obra de compositores brasileiros em 30 álbuns

O primeiro álbum da série Brasil em Concerto será lançado no começo de 2019, com a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais interpretando obras de Alberto Nepomuceno; projeto vai até 2023

Foto do author João Luiz Sampaio
Por João Luiz Sampaio
Atualização:

Um projeto do Ministério das Relações Exteriores em parceria com algumas das principais instituições musicais do País vai promover a gravação e o lançamento de 30 CDs dedicados à música de compositores brasileiros. O primeiro álbum da série Brasil em Concerto será lançado no começo do ano que vem, com a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais interpretando obras de Alberto Nepomuceno. Até 2023, o selo Naxos vai disponibilizar a série completa de álbuns, totalizando cem obras gravadas de autores de diferentes épocas e gerações.

“A ideia partiu do próprio ministério, com o diplomata e compositor Gustavo Sá, que percebeu a carência de gravações e de material editado de importantes obras brasileiras e resolveu criar um projeto de cooperação entre orquestras”, diz Marcelos Lopes, diretor executivo da Fundação Osesp, que integra o projeto ao lado do grupo mineiro e da Orquestra Filarmônica de Goiás. “O ministério apoia os custos de produção e cada orquestra insere o projeto em sua agenda anual”, completa.

Camargo Guarnieri. Gravação dos seus Choros será comandada pelo maestro Karabtchevsk Foto: Alan Fischer/ACG-IEB-USP/Divulgação

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A Osesp inicia sua participação em janeiro, com a gravação dos Choros do compositor Camargo Guarnieri, que será comandada pelo maestro Isaac Karabtchevsky – as peças também serão apresentadas ao longo de um ciclo de concertos em fevereiro, antes da abertura oficial da temporada de assinaturas.

“Será a primeira vez que me dedico a uma das vertentes de Guarnieri que mais admiro, sua profunda vinculação à temática brasileira. Nesse sentido, tanto ele como Villa-Lobos apresentam visões díspares e por vezes contraditórias sobre uma fonte comum”, diz o maestro. “Em Guarnieri há uma dissecação da linguagem, uma orquestração que reflete um pensamento apolíneo, timbres pontuais visando à clareza da forma e absoluta lógica do discurso. Já em Villa-Lobos, os ritmos geniais e alucinantes podem confundir a escuta, mas deixam transparecer a força do pensamento musical. Dois grandes músicos, duas visões que se completam.”

A Osesp fará dez CDs: além de Guarnieri e Villa-Lobos, o grupo deve se dedicar a compositores paulistas, como Almeida Prado e Francisco Mignone. Almeida Prado também está nos planos da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, que em 2019 vai gravar com a pianista Sonia Rubinsky peças para piano e orquestra do compositor. “Outros nomes incluem Lorenzo Fernandez, em 2020, e Henrique Oswald e Antonio Carlos Gomes nos anos seguintes”, diz o maestro Fabio Mechetti, diretor artístico e regente titular do grupo mineiro, que em 2018 se dedicou a Alberto Nepomuceno.

“Do ponto de vista da criação nacional de música sinfônica, Nepomuceno tem uma importância singular, já que foi um dos primeiros compositores brasileiros a dedicar boa parte de sua obra à música orquestral, tendo composto uma das poucas sinfonias escritas em território sul-americano ainda no século 19”, diz Mechetti. “A obra de Nepomuceno também representa um fim de período em que compositores cada vez mais se distanciam das influências europeias e emprestam do folclore brasileiro fontes de inspiração para suas criações musicais.”

Quando assumiu a Orquestra Filarmônica de Goiás, o maestro inglês Neil Thomson procurou obras de artistas brasileiros que pudesse interpretar e gravar com a orquestra – mas tentando evitar os nomes mais conhecidos, como Villa-Lobos. Os primeiros dois discos lançados pelo grupo, em 2015 e 2016, sob o comando de Thomson, tinham como foco a obra de César Guerra-Peixe. E, no começo deste ano, o grupo anunciou o ambicioso plano de gravação de todas as sinfonias de Claudio Santoro, nome chave da música brasileira na segunda metade do século 20, ainda que pouco interpretado por nossas orquestras.

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“Ao chegar ao Brasil, eu conhecia Villa-Lobos, mas queria saber um pouco mais sobre música brasileira. Depois do Guerra-Peixe, comecei a perguntar, e me falaram do Santoro. A primeira coisa que fiz foi ouvir a gravação que John Neschling fez com a Osesp, das Sinfonias n.º 4 e n.º 9 e, uau!, fiquei impressionado com a força sinfônica de sua música”, contou Thomson em entrevista na época do anúncio das gravações, no meio do ano. O grupo já interpretou em sua temporada deste ano as sinfonias n.º 1, n.º 5, n.º 6, n.º 7 e n.º 8. “Não tenho dúvida de que, se ele fosse um compositor europeu, seria tão tocado quanto Shostakovich.”

Brasil em Concerto prevê raro diálogo entre instituições

O projeto Brasil em Concerto prevê também a gravação de obras de José Siqueira, Guerra-Peixe e Edino Krieger, que completou 90 anos em 2018. E marca uma parceria entre orquestras (e também com a Academia Brasileira de Música) que, para Marcelo Lopes, diretor executivo da Fundação Osesp, pode gerar frutos que transcendem os 30 CDs previstos.

“A Osesp vem se dedicando à recuperação e gravação da música brasileira há muito tempo. Mas o passivo de repertório a ser gravado é imenso, impossível de ser coberto por uma orquestra”, diz Lopes. “Esse acordo pioneiro vai acelerar o processo e viabilizará que cada grupo possa centrar esforços nos compositores aos quais já vêm se dedicando. O trabalho coordenado, além de melhorar a produtividade, é uma forma de distribuir a responsabilidade de preservação da memória musical brasileira entre várias orquestras. Espero que outras possam vir a participar futuramente. E a criação de um setor específico de música brasileiro no selo Naxos vai facilitar a busca do nosso repertório por interessados nacionais e estrangeiros.”

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A falta de diálogo entre orquestras é um antigo problema da vida musical brasileira. Mas, além do projeto Brasil em Concerto, há pelo menos outra parceria prevista para a temporada do ano que vem. Para celebrar os 80 anos do compositor Marlos Nobre, um pool formado por Osesp, Filarmônica de Goiás, Orquestra Petrobras Sinfônica e Filarmônica de Minas Gerais encomendou a ele um novo concerto para violoncelo e orquestra, que será apresentado por todos os grupos com Antonio Meneses como solista. 

Para Karabtchevsky, o trabalho de gravação é particularmente importante no momento em que significa também a preparação de edições de referência de partituras, nem sempre disponíveis. Ele cita como exemplo o projeto de gravação das sinfonias de Villa-Lobos, encerrado este ano pela Osesp sob seu comando. “Era preciso restabelecer a coerência entre os manuscritos e as partituras à disposição da classe musical. Foi um trabalho que empreendemos durante sete anos sem pausa.”

Para Mechetti, um projeto como esse tem também um poder simbólico. “Ainda é pequena a difusão da música brasileira de concerto no exterior e, quando isso se dá, fatalmente é feita através de algumas obras de Villa-Lobos, ou, em menor quantidade, de Guarnieri e Carlos Gomes”, explica o maestro. “Um projeto abrangente como esse não só dará oportunidade de que mais compositores nacionais sejam conhecidos como também divulgará o trabalho de qualidade que orquestras nacionais têm feito nos últimos anos, mostrando que o Brasil tem mais a oferecer do que os chavões de sempre.”

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