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Por que Charlie Brown Jr e artistas que já morreram continuam em listas de mais ouvidos

Números apontam que sucessos de grupos já desaparecidos continuam sendo ouvidos por fãs e resistem entre as 200 mais do Spotify

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Por Daniel Silveira
Atualização:

"Só o que é bom dura tempo o bastante pra se tornar inesquecível", já dizia Chorão, líder do Charlie Brown Jr na música Vícios e Virtudes. A banda santista marcou tanto o rock nacional que, atualmente, figura entre as 200 mais tocadas no Spotify. O grupo entrou no ranking semanal da plataforma em outubro de 2021 e, na última semana, está na 34.ª posição. 

O cantor DZ6 é fã de Chorão e tem uma banda cover do Charlie Brown Jr; ele éum dos que ajudam a colocar as músicas da banda em posição de destaque nas paradas. Foto: Marcelo Chello / Estadão

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Uma das explicações para essa presença pode ser o lançamento do disco ao vivo Chegou Quem Faltava em julho do ano passado. Outra razão é a força das músicas entre os fãs, que seguem escutando as músicas do catálogo da banda. “As músicas são eternas, estão incrustadas na sociedade”, avalia o cantor DZ6, fã da Charlie Brown Jr, banda da qual tem um cover. “É reflexo da capacidade de Chorão de falar com a alma, com o coração, de expor o personagem dele de um modo que algumas pessoas não conseguem mais”, continua.

A Charlie Brown Jr não é a única que chama a atenção por estar nos charts da plataforma de streaming mesmo depois de encerrada. Legião Urbana (103.º), Linkin Park (123.º), Queen (148.º) e O Rappa (179.º) são outros artistas que, mesmo após o fim de suas bandas (por morte ou por decisão de separação), continuam encantando fãs pelo Brasil, suficientemente para aparecerem na lista de 200 mais ouvidas do país. Outros como Marília Mendonça também aparecem em altas posições, mas não foram considerados para análise porque estão lançando canções inéditas póstumas.   

Os dados não são restritos ao Brasil. Um estudo recente sobre a indústria musical nos Estados Unidos verificou que músicas de catálogo, que são aquelas com, pelo menos, 18 meses de lançamento, representam 72,4% do mercado, em comparação com 27,6% de novidades (as lançadas de 18 meses atrás para cá). 

O relatório, feito pelo monitor de mercado Luminate e divulgado pelo portal americano Music Business Worldwide, analisa uma métrica chamada consumo total de álbuns, que leva em consideração serviços de streaming, downloads e vendas de música digital e física. Além disso, leva em consideração também artistas que ainda estão na ativa. A interpretação do levantamento sugere que o interesse do público por músicas mais antigas parece predominar em relação ao que está sendo lançado atualmente. 

Menos antigas

Apesar da alta porcentagem, é importante pontuar que as músicas antigas que estão sendo mais ouvidas não são exatamente tão antigas assim. Mais de um terço desse consumo é de música lançada entre 2017 e 2019, segundo o estudo. “Indica, de alguma forma, que existe um interesse do público em música de catálogo”, explica o compositor e produtor musical João Marcello Bôscoli

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Os números falam muito sobre o comportamento, principalmente, os das plataformas de streaming, pois analisam o que está sendo ouvido, quase que em tempo real pelas pessoas. No entanto, a pesquisadora Dani Ribas, que é doutora em sociologia pela Unicamp, especialista em consumo musical e comportamento de público, além de diretora da Sonar Cultural Consultoria, explica que muitas variáveis são necessárias para entender essa tendência. “Não é um cálculo racional de custo-benefício quando a gente escolhe uma música para ouvir”, pontua.

O cantor Chorão, vocalista da banda Charlie Brown Jr., durante o Atlântida Festival, realizado no palco do Centro de Eventos da Fiergs, na cidade de Porto Alegre, em 2010. Foto: Fábio Berriel/AE

No caso dos serviços de streaming, isso complica mais ainda porque existem fatores que não são passíveis de controle, como a existência de um algoritmo que "calcula" o que você pode gostar de ouvir a partir do que você tem escutado, pesquisado ou até partindo do que seus amigos estão escutando. “Pensando que todas as plataformas digitais disputam a nossa atenção, o modelo de negócio delas é remunerado por publicidade, então, nossa atenção é a moeda corrente”, diz a pesquisadora. “Nesse sentido, a música é uma commodity, vendida em quantidades enormes”, continua. 

Enxergar a música como mercadoria não é novidade. Historicamente, artistas emergiram e desapareceram explodindo em vendas, tocando em rádios, indo em programas de auditório, lançando singles, EPs, sendo pupilos de gravadoras. Com o streaming, mudou apenas a forma de distribuição e, claro, o acesso a difusão das obras desses artistas.

Em casa

“Artistas começaram a produzir mais em casa, individualmente, e sobem suas próprias músicas, então temos uma explosão de artistas de pequeno ou zero público”, afirma. “Até os anos 1980 eram poucos artistas vendendo muito e hoje em dia é o contrário”, afirma. 

A pulverização de artistas e suas obras facilita, de alguma forma, que obras de catálogo agreguem mais que lançamentos, já que para muitas delas, o que vale é a memória afetiva. E se no passado, existiam menos artistas alcançando o grande público, ainda é menor a quantidade de músicas que foram capazes de permanecer na memória dos ouvintes. “Eu credito isso ao valor artístico deles. Cada década tem artistas que se adequam esta década e a espaços de tempo maior”, opina Bôscoli. “[A capacidade] de fazer uma leitura de determinada época e dessa leitura atravessar as décadas são questões que atravessam gerações, não são datadas, pelo contrário. Se tornam clássicos”, continua o compositor. 

Isso pode ajudar a explicar a presença dessas chamadas “músicas de catálogo” de artistas como Legião Urbana e Charlie Brown Jr, que conseguiram se conectar com suas gerações com letras que são, de certa maneira, imortais. Afinal de contas, quem nunca cantou o refrão de Pais e Filhos

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Empurrãozinho

E são essas obras que acabam indo e voltando também como apostas em produções audiovisuais, como podemos observar nos exemplos mais recentes. A música Running Up That Hill, de Kate Bush, liderou paradas do Reino Unido após aparecer em Stranger Things. O mesmo caminho de Master of Puppets, do Metallica, que também teve um boom de streams após ser usada como trilha sonora da popular série.

 

É bom lembrar que a fórmula para não cair no esquecimento e estar sempre nos charts não existe. “Determinadas épocas deixam mais contribuição que outras, eu já achei que tinham pessoas que iam permanecer e não permaneceram”, diz Bôscoli. “Será que daqui a 40 anos vai ter uma série como Stranger Things tocando Drake?”, indaga o compositor. Por ora, não sabemos. A única certeza que temos é que o que já foi eternizado, eternizado está. Só nos resta esperar mais alguns anos para saber se o catálogo de nosso artista preferido será esquecido ou vai figurar na lista de mais ouvidas do futuro.

Confira a posição dos artistas que já encerraram carreira na lista de mais escutadas do Spotify

1.º - Marília Mendonça (possui lançamentos póstumos recentes)

34.º - Charlie Brown Jr.

56.º - Mc Kevin (possui de que tem lançamentos póstumos recentes)

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103.º - Legião Urbana

123.º - Linkin Park

148.º - Queen

179.º - O Rappa

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