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Pitty lança ‘Matriz’, primeiro disco em cinco anos, dialogando com sua terra natal

Com influências bem marcadas, álbum é o primeiro depois de sua maternidade

Por Guilherme Sobota
Atualização:

Desta vez, Pitty resolveu inverter o processo: a turnê veio primeiro, e agora, nesta sexta-feira, 26, seu quinto e mais recente disco, Matriz, chega às plataformas digitais. “Quem foi que escreveu que precisava ser do outro jeito?”, pergunta a cantora e compositora baiana, agora nos seus 41 anos. O disco mantém o espírito roqueiro que fez a artista ser uma das mais populares do Brasil desde o início dos anos 2000, mas se abre a uma exploração potente da sua terra natal e das possibilidades que músicos contemporâneos de Salvador e região abraçaram com fervor nos últimos anos.

O álbum traz parcerias com uma turma boa da Bahia: Lazzo Matumbi, Larissa Luz, BaianaSystem; uma música de Teago Oliveira, do Maglore, outro grande expoente do rock baiano, a faixa Motor, também gravada recentemente por Gal Costa, e uma de Peu Sousa, parceiro histórico de Pitty, morto em 2013; um sample de Dorival Caymmi; e pelo menos uma intersecção involuntária com Gilberto Gil.

Cantora Pitty fotografada no bairro de Moema Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

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É também o primeiro disco da cantora depois de duas novas experiências em sua vida. A primeira, de forte voltagem transformadora, a maternidade (Madalena tem hoje 3 anos). A segunda são as temporadas como uma das apresentadoras do Saia Justa, programa do GNT em que debate temas que vão da criação artística a assuntos políticos agudos, passando pela adaptação da linguagem ao mundo contemporâneo e atitudes em relacionamentos, tudo isso ao vivo. TV em alto nível.

Produzido pelo parceiro de longa data Rafael Ramos, Matriz não representa exatamente um “retorno” às suas origens, segundo Pitty. “Se fosse um retorno, eu voltaria para o mesmo lugar. Estou indo para um lugar diferente”, disse a cantora numa entrevista realizada nesta quinta-feira, 25, na zona sul de São Paulo.

E ela traz a sua própria bagagem. A faixa Roda, no centro do disco, uma parceria com o BaianaSystem, começa com a guitarra baiana inconfundível de Roberto Barreto para logo se transformar num rock n’ roll cheio de efeitos sobre guitarras, claro, mas também com a presença de um cavaquinho e um bandolim (ambos distorcidos). “Quando eu vi o Baiana surgindo, falei: finalmente apareceu alguém para sintetizar a onda de ser pesado, ter letras contundentes e juntar os ritmos. Bateu para mim também, porque é muito difícil incorporar cultural local com outras paradas sem ficar meio assim...” Aqui, ela conseguiu.

“Muito dessa história de incorporar beats nas músicas e ter referências da Bahia surgiu durante a turnê. Uma música, Sol Quadrado, estava na minha primeira demo, de 2002”, comenta a cantora. Ela não considera sua nova aproximação com a terra natal como um retorno simplesmente porque a Bahia a que ela chega agora é muito diferente daquela onde começou, no início dos anos 2000. “Era muito diferente. Havia uma monocultura. Embora a Bahia sempre tenha sido um lugar de diversidade, quando eu cresci na cena, isso não se apresentava no dia a dia do rolê”, explica.

Agora ela volta com parcerias de muitos artistas conterrâneos que estão consolidando caminhos novos na sempre vibrante música que vem de lá.

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O disco apresenta intersecções involuntárias também com a geração da Tropicália. Motor, a música de Teago Oliveira que Pitty regravou em Matriz, também foi incorporada por Gal Costa no seu show mais recente, A Pele do Futuro. Em Bahia Blues, Pitty canta os locais de Salvador que frequentou e diz: “Nunca é tarde demais / Pra voltar pro azul que só tem lá”. A cor é diferente, mas os versos lembram a poesia de um Gilberto Gil voltando do exílio em Back in Bahia: “Mar da Bahia, cujo verde vez em quando me fazia bem relembrar”. 

“Resolvi contar uma história como os blueseiros fazem mesmo, relatando. Mas pensei muito em Gil e Caetano no processo. Inconscientemente, faz sentido essa conexão”, diz a cantora.

Em Bicho Solto, Pitty canta: “Eu me domestiquei para fazer parte do jogo / Mas não se engane, maluco, continuo bicho solto”. A música tem ainda um sample (um trecho cortado e reutilizado) de uma canção de Dorival Caymmi, Noite de Temporal. O sample foi popularizado em larga escala pelo hip-hop, mas Pitty lembra-se da primeira vez que utilizou a técnica. “Numa dessas ondas de composição, Rafael (Ramos, produtor dos discos da cantora) levou em casa a primeira demo que mandei para ele, antes do Admirável Chip Novo (2003). Tinha 18 músicas ali, eu não lembrava de muita coisa. Sol Quadrado, esse reggae do disco de agora, e também uma outra música que tinha um sample de Pink Floyd. Eu não lembro como foi (risos). Estava lá no meu quartinho em Salvador, pirando nessas coisas. Isso é o Matriz. É algo que já estava lá, mas que é contemporâneo, e estabelece esse diálogo.”

A faixa seguinte, Noite Inteira, é um rock com elementos percussivos acentuados ligados a ritmos latinos, além de ter a participação de Lazzo Matumbi, referência para Pitty desde sua infância. “Ele sempre foi uma voz significante dos blocos afro e dessa parte da cultura baiana, e quando essa música surgiu, pensei nele imediatamente”, explica. Mais à frente, Te Conecta traz a levada do rocksteady, ritmo jamaicano precursor do reggae. 

Para O Grande Amor é a faixa de Peu Sousa, guitarrista parceiro da cantora, morto em 2013. “Quando vi que o álbum tomava essa direção da Bahia, quis botar uma canção dele”, diz Pitty. Submersa é onde ela aborda a maternidade mais de perto. “No começo, foi difícil sair do casulo. Essa foi a primeira música que escrevi pensando que precisa voltar para a minha própria identidade. Agora estou mais de boa”, garante. “Mas tudo muda, até o tempo.” Com Matriz, Pitty faz um valioso acréscimo e dá uma bela lufada de diversidade no seu repertório.

Ouça o disco 'Matriz', de Pitty:

Pitty chega à terceira temporada no ‘Saia Justa’

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Desde 2017, Pitty é também uma das apresentadores do Saia Justa, programa do GNT que discute assuntos da atualidade e do universo feminino – em março, o canal começou a exibir episódios da nova temporada, quase sempre ao vivo, no ar às quartas-feiras, às 21h30.

No programa, Pitty e as outras três apresentadoras (Astrid Fontenelle, Mônica Martelli e Gaby Amarantos) entram em debates densos sobre temáticas muitas vezes complexas. “O massa do programa é que ele me faz estudar muito. Gosto de ver outros aspectos para além das minhas experiências pessoais, porque isso não basta.”

Em um dos programas recentes, elas discutiram o ato criativo e a capacidade de artistas alterarem trechos da própria obra que considerem inconvenientes ou desajustados com os novos tempos. Entre outros, elas citaram Mano Brown, que já disse várias vezes deixar de cantar alguns trechos ou mesmo canções inteiras do passado por considerá-las hoje opressivas. “Me perguntaram se eu tinha algum caso desse tipo. Falei que não. Aquela, que nunca deu close errado (risos). Passamos por uma revolução comportamental nos últimos anos. Quem sabia o que era mansplainning há 5 anos? É legítimo que um autor reconsidere a própria obra.”

Crítica: A roqueira e outros ritmos

Por Adriana Del Ré

Pitty está de volta. E com um álbum potente, em que desconstrói a imagem da ‘roqueira radical’. A roqueira, claro, segue firme, mas aqui se aproxima de outros ritmos. Tem um pé na Bahia – a tal matriz – e o outro no mundo. Da ‘bailante’ Noite Inteira, passando pelo reggae de Te Conecta e a levada de capoeira de Redimir. Em tempos de singles, Matriz reitera a relevância de se ouvir um disco inteiro, do início ao fim. 

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