Philip Glass traz "Drácula" ao Brasil

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Por Agencia Estado
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Originalmente concebido sem trilha sonora, pelas impossibilidades técnicas do tempo em que foi produzido, o clássico filme de horror Drácula, com Bela Lugosi, retorna com música a São Paulo após 70 anos. O autor do feito é o compositor americano Philip Glass, que apresenta no País a trilha que compôs em 1999 para o filme, pela primeira vez. De quebra, mostra também a trilha que fez para outro clássico, A Bela e A Fera, de Jean Cocteau, de 1946 (com Jean Marais e Josette Day). Glass estréia no Teatro Municipal do Rio de Janeiro no dia 11 de setembro, chegando à Sala São Paulo nos dias 16 e 17. Depois, vai ao Teatro do Sesi de Porto Alegre, no dia 19. Dono de uma indicação para o Oscar pela trilha de Kundun, de Martin Scorsese, Philip Glass compôs e gravou a trilha de Drácula a pedido dos estúdios Universal. A gravação original, da Nonesuch Records, tem o Kronos Quartet na execução musical. Foi a segunda colaboração de Glass e do Kronos. A primeira foi em 1985, para o filme Mishima, de Paul Schrader. Agência Estado - Qual a diferença entre tocar "Drácula" com o Kronos Quartet e com o Philip Glass Ensemble? Philip Glass - É uma boa questão. Nenhum músico toca da mesma maneira, e as características das músicas mudam. O Kronos Quartet é um quarteto de cordas e tem uma abordagem lírica da trilha. O Ensemble trabalha com sintetizadores, e é uma boa oportunidade para seus músicos darem uma nova leitura para os performers. É muito diferente uma coisa da outra, mas eu gosto de ambas as perspectivas. Algumas coisas vão melhor com o Kronos outras, com o Ensemble. Depois, seria muito difícil excursionar com o Kronos, porque eles têm pouca disponibilidade. Soube que o sr. poderia ter escolhido entre A Múmia, Frankenstein e Drácula para fazer a trilha. Por que escolheu Drácula? Sou muito próximo de Frankenstein também. Acho A Múmia menos interessante. Se pudesse escolher, teria ficado com os dois, Drácula e Frankenstein. Mas só podia um. Escolhi muito pelo ator, Bela Lugosi. É impressionante, sua interpretação. Ele quase não fala. Expressa-se muito mais com os olhos. Entendeu como raros atores poderiam entender o que o personagem pedia e acho que não há ninguém como ele. Se fosse fazer uma trilha para Frankenstein, acho que teria optado por uma outra voz, mais gutural, menos humana. O sr. parece preferir especialmente o filme de Todd Browning. Não gosta de Nosferatu, de Murnau? É muito belo também. Mas é mais sério. O Drácula de Todd Browning é mais popular, as pessoas conhecem muitos dos diálogos. Ao mesmo tempo, possibilita o contraste certo entre luz e sombra para criar a tensão e a dinâmica da música do filme. Quando o sr. viu Drácula pela primeira vez? Foi há 35, 40 anos. Estava indo para a universidade, em Chicago. Um cinema estava passando um ciclo de filmes clássicos. Pensando bem, acho que foi há 47 anos. Eu nunca imaginei que um dia faria a trilha daquele filme. Qual é o segredo em combinar músicas e imagens na trilha de um filme? Esse é o ponto principal. Imagem é movimento. Palavras são música. Você usa essa composição na ópera, no teatro. No filme, as palavras são parte da narrativa. Há uma simbiose com a música. Quando você vê um filme, nunca mais vê nada daquilo separadamente. Minha concepção de uma trilha sonora é tratar a música mais como uma performance, uma coisa em tempo real. É uma poderosa combinação e requer certa vitalidade. Mas no filme Koyaanisqatsi, de Goffrey Reggio, sua música não sublinha uma história. É verdade, não é uma história. Mas, de qualquer jeito, há uma dinâmica entre música e imagem. Eu procuro essa dinâmica mesmo em filmes curtos, como os que fiz com Peter Greenaway, Atom Egoyan. São narrativas rápidas e, com as trilhas busco desenvolver o gosto da audiência para a música ao vivo de filmes. Por que o sr. acha que Drácula exerce tanto fascínio até hoje? É uma história do século 19 que preserva um mistério insolúvel, assim como Jack, o Estripador. Há elementos de fascinação, como um tácito acordo com o Demônio, que é exatamente o que acontece com Drácula. E é uma história romântica, com o vampiro eternamente em busca da mulher ideal, da impossibilidade de aceitar a morte, da vida eterna. Drácula se equipara a outros personagens, como Gilgamesh e Parsifal. Bram Stocker pôs em cena aquilo que se passava nas mentes das pessoas do século 19: o mal absoluto, o ideal de pureza, o erotismo. Uma das coisas que mais me chamam atenção é a ausência de violência explícita. Não se vê o sangue, não há agressão, mas apenas um temor enorme. E qual a diferença de sua composição para Drácula e para A Bela e A Fera? Para A Bela e A Fera eliminei a trilha sonora e compus uma ópera, é essa basicamente a diferença. Não escrevi algo experimental, modernístico, cheio de eletrônica, porque o que vamos ver são filmes de outro tempo. Quero que as pessoas vejam o filme sem que a trilha se sobreponha a ele, mas que seja complementar à sua narrativa. O sr. tem diversas colaborações com artistas brasileiros, como o Grupo Corpo e Gerald Thomas (na ópera Matogrosso). Está pensando em algum novo trabalho com brasileiros? Para mim, é sempre possível, porque tenho muito interesse na cultura brasileira. Mas atualmente tenho trabalhado em muitos projetos, como uma seqüência de Powaaqatsi e um composição sobre o trabalho de Allen Ginsberg. Dizem que o sr. é o compositor mais ocupado do mundo. (Risadas) Não tenho muito tempo para férias, penso em música o tempo todo. Essa é minha filosofia. Mas agora, no Brasil, entre as apresentações, terei tempo para ver amigos, conversar, trocar idéias. O que também não são férias, mas parte do desenvolvimento da música.

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