PUBLICIDADE

Pesquisador relembra o dia em que apresentou Tom Jobim a George Martin

Marcelo Fróes acompanhou jantar entre dois dos maiores nomes da música mundial; George Martin rememora o encontro 21 anos depois

Por Marcelo Fróes
Atualização:

Quando o encontro de Tom Jobim com George Martin me vem à mente, a única palavra que me ocorre é “privilégio”. Havia conhecido George Martin em Londres em 1992, e um ano depois uma ideia ingênua e um belo trabalho de lobby fizeram com que o produtor estivesse no Rio por uma semana para se preparar para um concerto de músicas dos Beatles pelo Projeto Aquarius. Ocorreu-me então que seria simpático propor que Martin conhecesse algum grande artista num jantar. Tom Jobim foi a primeira opção óbvia, embora hoje eu tenha certeza que qualquer artista brasileiro teria aceito o convite.

PUBLICIDADE

Por fax, Martin aceitou de pronto a sugestão. O British Council assumiu a oficialização, e Tom foi procurado por telefone. Como tinha uma filha pequena, a princípio disse que preferia almoço, mas acabou aceitando jantar. “Pai, é o maior produtor do mundo, você tem que ir”, mais tarde disse ele que ouvira de um dos filhos.

Quando George Martin desembarcou no Rio e realizou uma coletiva com a imprensa de 90 minutos, perguntaram-lhe sobre a música brasileira e ele provocou risos ao dizer que ouvia Jobim e a trilha de Orfeu Negro desde pequeno. Deve ter entendido tudo quando Tom chegou à churrascaria de chapéu, bolsa de couro... e muitos cabelos pretos ainda na cabeça. Eu os apresentei e, enquanto aguardávamos no bar até que o maître conduzisse a pequena comitiva à mesa, George puxou-me pelo braço: “Marcelo, quantos anos ele tem?”

Uma vez instalados na mesa frente à frente, os dois maiores arranjadores do mundo logo entenderam-se, naturalmente em inglês. Não demorou muito e lembraram que estavam ligados às duas canções mais regravadas na história, Yesterday e Garota de Ipanema. Falou-se pouco sobre os Beatles, acho que somente quando Tom comentou que seu filho gostava muito. Logo encontraram assunto falando de percussionistas, arranjadores, estúdios e amigos em comum, mas mais tarde também falaram de Frank Sinatra, Quincy Jones, Michael Jackson e Yoko Ono. Só lembro que eles foram saboreando a boa comida enquanto eu só olhava, participando muito pouco. De repente, percebendo meu estado, George constatou: “Marcelo, você não está nem comendo!”.

Ao final, Tom e George trocaram cartões com telefones. George comentou que seu estúdio de Montserrat havia sido recentemente devastado por um furacão, mas que um novo acabara de ser inaugurado em Londres. Tom estava acabando de gravar um novo disco, Martin perguntou a gravadora e Tom respondeu que fizera por conta própria, e que entregaria a distribuição para quem o “enrolasse menos”. Ficaram de se falar, mas possivelmente não tiveram chance: Tom morreu em Nova York um ano depois.

Em 1995, reencontrei Martin em Londres e presenteei-lhe com o CD Antonio Brasileiro, aquele que ele estava terminando de gravar em 93. Ele olhou o disco e comentou: “Foi uma pena ele ter morrido ainda tão ativo”. Sumiu estúdio adentro com os CDs, me avisando que mais tarde Paul McCartney iria chegar: estavam trabalhando no projeto Anthology, com sobras de gravações dos Beatles.

Mantive contato esporádico com o já Sir por todos estes anos, inclusive quando fez sua autobiografia de luxo em 2002 pediu-me autorização para usar a fotografia que fiz dos dois ao fim do jantar. Passados 20 anos da morte de Tom, o Estado me convida para escrever sobre aquela noite especial. Resolvo então pedir ao mestre “uma ou duas palavrinhas” por e-mail, diretamente de sua merecida aposentadoria no interior da Inglaterra, para o este artigo sobre a emoção que senti ao apresentá-los. 

Publicidade

George Martin e Tom Jobim, em 1993 Foto: Marcelo Fróes

Sir George Martin faz 89 anos em janeiro próximo, era um ano mais velho que Tom, mas está lúcido e ativo. E em poucas horas enviou o esclarecedor parágrafo abaixo, no qual justamente a palavra “privilégio” é usada.

“Foi um enorme privilégio conhecer Antonio Carlos Jobim no Rio em outubro de 1993. Tivemos uma noite memorável, falando da música de nossas vidas. Ao longo dos anos, curti a companhia de grandes músicos, mas nada comparável àquilo. Mais tarde apresentei sua música a Paul McCartney, que também tornou-se admirador. Então experimentei a mesma satisfação que você teve”.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.