Patrícia Palumbo entrevista Cássia Eller

Uma das últimas entrevistas da cantora que morreu em dezembro está registrada no livro que a apresentadora da Rádio Eldorado lança nesta quinta-feira. Leia trecho da conversa

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Por Agencia Estado
Atualização:

Morrendo de rir, Cássia Eller me ouviu dizer ao telefone que ela é a mulher mais difícil que já conheci. Essa foi a primeira entrevista que tentei fazer para o livro e a última que consegui. Acabamos nos encontrando em São Paulo mesmo, em meio ao trabalho intenso de divulgação do CD Acústico MTV, um grande sucesso de vendas. Cássia Eller é um fenômeno nacional. Popular sem concessões. Faz música como gosta de fazer: intensamente. Conversa muito com os músicos no palco, a ponto de esquecer o roteiro do show. Viaja num acorde, num riff, num improviso de percussão. Ama a música. E a música faz parte de seu dia-a-dia quase como o ato de respirar. Ela não pensa sobre seu ofício, mas atravessa a rua em tempos musicais. Leva a vida em compassos. Rindo muito, tomando café, fumando e pedindo para acabarmos logo, Cássia, inacreditavelmente tímida, enfim nos concedeu essa conversa. Dizem que ela não gosta de entrevistas porque acha que não tem nada de especial a dizer. Ouvindo-a cantar com a mesma verdade um sucesso de Edith Piaf e um rock do Nirvana, é claro que não posso acreditar nisso! Como uma cantora que apareceu chutando o balde e interpretando Arrigo Barnabé, Luís Melodia e Itamar Assumpção pode ser tímida? No palco é diferente. Claro. É a música no clímax. Cássia Eller é inteira um vulcão musical que, prestes a entrar em erupção, mantém a aparência calma e tranqüila da grande montanha. Pura ilusão. Patrícia Palumbo - A Gal Costa disse uma vez que admira muito seu trabalho porque você é uma cantora muito musical. Você entende essa expressão? O que vc acha disso? Cássia Eller - Eu fico muito feliz quando se referem a mim dessa maneira. Porque eu respiro musica. Eu penso música, o tempo todo. A minha vida é marcada pelo disco que foi lançado naquele ano, o disco do Chico Buarque, do Caetano, a música do Djavan que fazia sucesso no rádio naquela época, essas coisas é que marcam o tempo na minha vida. Eu lembro dos acontecimentos assim. Eu sou musical mesmo (rindo). Você me disse uma vez que ouvia em casa muita música antiga. Sua mãe ouvia Chiquinha Gonzaga... Não, quem ouvia Chiquinha era vovó que tocava bandolim. Todos os meus tios aprenderam musica, minha mãe também. Mamãe ouvia boleros. E todo o tempo a gente ouvia rádio em casa. E você foi despertando pra música assim, aprendendo de ouvido? Ah é. Eu acho que música é tudo isso. É cantar, fazer música, mas é muito ouvir música, eu adoro ouvir, acho que o melhor pra se fazer é ouvir música o tempo todo. Mas, você fez aulas de canto? Fiz com a mesma professora que a Ná Ozzetti aqui em São Paulo e eu descobri isso sem querer. Eu sou muito fã da Ná, já era nessa época, em 89 e um dia eu me assustei porque eu cheguei lá para fazer a minha aula e ela estava saindo, eu estava entrando logo depois dela, aí comecei a tremer inteirinha assim, que eu era completamente alucinada por ela. 89! Qual era a música de sucesso da época? É, 89...sei lá (risos).Eu conheci a Ná por causa do Rumo, e tinha o disco dela... nossa, o primeiro disco que saiu pela Baratos Afins, eu acho... E ouvir música então era uma coisa que você fazia o tempo todo? só do rádio ou também ia buscar seus discos, comprava muito disco também quando adolescente ? Não, e não comprava porque a gente era muito pobre, não tinha dinheiro para comprar disco assim. Mas eu ia na casa de colegas meus, de amigos meus para gravar, gravava tudo em fita cassete. Fazia a sua programação? É, e escutava rádio para caramba, muito mesmo, o tempo inteiro. Deixava sempre no 3 x 1, lá de casa, um cassete limpinho assim para poder gravar. Se tocasse uma música que fosse difícil de eu achar eu gravava da rádio mesmo. Quando é que pintou aquela história de quero cantar, cantar dá barato, quando foi você cantou e deu uma ligada? Ah! desde que eu me entendo por gente eu acho que eu viajo cantando, viajo muito cantando. Mas já de moleca, já de pequena? É, desde pequenininha, desde pequenininha. Mamãe era cantora antes de casar, antes de eu nascer. Papai ciumento e tal, proibiu ela de cantar em público. Mamãe não fechava a boca dentro de casa, cantava o tempo inteiro, fazendo comida, arrumando a casa, lidando com a gente e cantando o tempo inteiro, tomando banho. Aí de tanto ela cantar aquelas mesmas músicas que ela gostava, uns boleros, umas coisas em espanhol que ela gostava, Armando Manzanero e não sei o que... eu fui aprendendo a fazer segunda voz com ela...

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