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Pacote repõe essência de Gal Costa

Por Agencia Estado
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Maria da Graça Pena Burgos Costa, a Gal Costa, tem 26 discos lançados e 38 anos de carreira. Fará 57 anos no dia 26. Politicamente, é a que se situa mais à direita dos Doces Bárbaros. E tem muita gente que não a agüenta desde Festa do Interior (Moraes Moreira e Abel Silva, de 1981), diz que ali começa uma longa descida rumo à decadência. É compreensível. Mesmo assim, a cantora é uma das melhores de toda a história da MPB. Para compreender melhor esse papel histórico de Gal, é preciso recorrer a alguns dos seus discos iniciais. E isso já é possível sem muito esforço. A Universal Music resgatou 15 discos capitais da carreira de Gal Costa, praticamente a vértebra de sua obra. Os discos já chegaram às lojas e têm preços razoáveis para o mercado, cerca de R$ 18,00. O pacote traz desde o primeiro disco de Gal Costa, de 1967, Domingo (dela e de Caetano Veloso), até outros mais recentes, como Gal Costa (1981), que tem a indefectível Festa do Interior. Até Domingo, ela tinha gravado um compacto na antiga RCA, em 1965, interpretando Eu Vim da Bahia (Gilberto Gil) e Sim, Foi Você (Caetano Veloso). Somente no ano seguinte, por sugestão do empresário Guilherme Araújo, adotaria o nome artístico de Gal Costa. Interessante ver como no seu nascedouro, a vida artística de Caetano e Gal era completamente gerida pela influência de João Gilberto e da bossa nova e, depois, como a cantora foi abrindo seu leque até perder-se em uma miríade de referências. Ela ouviu João Gilberto mais e melhor do que ninguém, disse Caetano. Domingo é um disco à altura de tudo o que Caetano tem produzido para si mesmo desde que radicalizou seu mimetismo joãogilbertiano. Muitos discos trazem consigo também a noção da mudança cultural da cantora. Legal, por exemplo, gravado logo depois da temporada de Gal em Londres, traz as canções London London, do Caetano exilado, e duas de Macalé, The Archaic Lonely Star Blues e Love, Try and Die. Ela tinha apresentado já London London em show na boate Sucata. Legal merece um parênteses aqui. Capa e contrapaca são um conceito de Hélio Oiticica. Tem Lanny Gordin tocando guitarra na faixa Acauã, um delírio hendrixiano de alta combustão. E participações de Erasmo Carlos, Tim Maia, Nana Caymmi, Macalé. Algumas canções merecem ser revistas pela história, como a bluesy Hotel das Estrelas (Macalé e Duda), procissão psicodélica com profetas nos corredores. No fruto do peito esse fruto, apodrecendo a cada dentada. Gal, de 1969, tem um arrazoado de Caetano Veloso que faz sentido, embora prenhe de bichogrilismo. Na Bahia havia a Graça e uma sala profunda, enraizada, recôncava de cachoeiras mortas, uma voz guardada apenas ali, absoluta, escreve. Janis Joplin, Jackson do Pandeiro, cool, Paulinho da Viola, a legião dos suberóis. Mas Gal explodiu sozinha, muito acima de tudo. Em Índia, de 1973, toda a sofisticação da MPB já estava a seu serviço. Sua banda, na gravação, tinha Gilberto Gil tocando violão de 12 cordas, além de Toninho Horta (guitarra), Robertinho Silva (bateria), Chico Batera (percussão e efeitos) e Dominguinhos (sanfona). Rogério Duprat fez a recriação da faixa-título e outros tocaram como convidados, como Wagner Tiso, Roberto Menescal e Tenório Jr. Gal Costa, como de resto todos os Doces Bárbaros, manteve-se ainda umbilicalmente ligada à influência pop de Roberto e Erasmo Carlos durante toda sua carreira. Já em Gal Costa, de 1969, ela gravou duas da dupla, Se Você Pensa e Vou Recomeçar. Como Caetano, ela ajudou a vencer uma resistência do seu público universitário para com o universo popular da canção de Roberto Carlos, fazendo uma leitura sofisticada desse repertório. No finalzinho do pacote, a música de Gal vai ficando menos robusta, tensa e original. Em Fantasia (1981) estão alguns dos maiores sucessos, os mais pegajosos, como Açaí e Faltando um Pedaço (Djavan), Meu Bem Meu Mal (Caetano Veloso), Festa do Interior (Moraes Moreira e Abel Silva). Um de seus discos mais recentes, que não está no pacote, é Aquele Frevo Axé, que tem produção de Celso Fonseca e no qual ela mostra canções de Tim Maia, Caetano Veloso (uma delas musicada por Moreno Veloso), Carlinhos Brown, Jorge Ben Jor, Adriana Calcanhoto e José Miguel Wisnik, Herbert Vianna, Luiz Gonzaga, Pedro Aznar e uma regravação de Calling You, tema de Bagdad Café, com participação do baixista Ron Carter. Um repertório que chega a ser bizarro de tão versátil e que a mostra em xeque-mate artístico.

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