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Osesp abre projeto Beethoven em últimos concertos de Marin Alsop como diretora

Apresentações inauguram programação criada pelo Carnegie Hall

Foto do author João Luiz Sampaio
Por João Luiz Sampaio
Atualização:

É o hino da União Europeia. Foi tocado em eventos tão distantes como o funeral de Abraham Lincoln, a Queda do Muro de Berlim ou após o 11 de Setembro. Em 1918, o sindicato de trabalhadores alemães criou a tradição de promover um concerto com a obra na noite de Réveillon, às 23 horas, para que o seu final coincidisse com a chegada do novo ano. O cineasta Stanley Kubrick, por sua vez, fez dela símbolo de extrema violência em Laranja Mecânica. A duração de um CD foi decidida a partir do tamanho necessário para abrigar uma interpretação padrão da composição.

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Da geopolítica à cultura popular, difícil imaginar uma peça do universo clássico mais célebre do que a Sinfonia n.º 9 de Beethoven, que se encerra com um grande coral entoando a Ode à Alegria, de Friedrich Schiller. Peça que, também no mundo dos concertos, tem sua simbologia, servindo sob medida para celebrações. Não será diferente esta semana, quando a obra será interpretada pela Osesp na Sala São Paulo desta quinta, 12, a domingo, 15, marcando a despedida da maestrina Marin Alsop do posto de diretora musical e regente titular da orquestra após oito anos de colaboração. Não será, porém, uma simples Nona sinfonia - a música de Beethoven, desta vez, virá acompanhada da obra de compositores brasileiros e com o texto cantado em português.

As apresentações inauguram um projeto criado pelo Carnegie Hall, importante sala de concertos norte-americana, para celebrar os 250 anos de Beethoven, efeméride que vai tomar de assalto o mundo musical na próxima temporada. Sempre com regência de Marin Alsop, orquestras de oito países vão interpretar a peça, sempre com o texto do último movimento - a Ode à Alegria, com sua mensagem de união e fraternidade entre os seres humanos - no idioma local; além disso, entre os movimentos das peças serão tocadas obras de compositores de cada país.

“É muito especial para mim começar um projeto como esse aqui em São Paulo, especialmente durante minha última semana como diretora musical”, diz Alsop. “A mensagem da Sinfonia n.º 9 de Beethoven é uma mensagem de tolerância, igualdade, paz, amor e alegria. Uma mensagem da qual precisamos desesperadamente.”

Nos Estados Unidos, a versão do texto será feita pelo rapper Wordsmith; na África da Sul, ela será cantada em zulu; na China, em diálogo com o compositor Huang Ruo, que utiliza instrumentos ancestrais chineses em suas obras. No Brasil, coube ao diretor artístico da Osesp Arthur Nestrovski traduzir os versos de Schiller.

Alsop se despede da Osesp Foto: Hélvio Romero/Estadão

“Relutei muito antes de encarar o desafio”, diz. “Uma coisa é traduzir canções, como tenho feito há quase duas décadas, de autores como Schumann e Schubert; outra, a Ode de Schiller. A dimensão desse texto amedronta qualquer um. Mas houve um dia em que algumas ideias começaram a surgir, de modo natural, num registro brasileiro e do nosso tempo, sem prejuízo do original. Depois da primeira estrofe, o resto foi mais fácil.”

Também coube a Nestrovski, em diálogo com Alsop, a outra tarefa proposta pelo Carnegie Hall, ou seja, escolher obras de autores brasileiros que dialogassem, entre os movimentos da sinfonia, com a criação de Beethoven: Cabinda, Nós Somos Pretos, do compositor baiano Paulo Costa Lima, e Transição, de Clarice Assad, peça em duas partes que faz referências à canção Alegria, Alegria, de Caetano Veloso.

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Nestrovski explica que o conceito que o guiou foi “a questão da escravidão no Brasil”. A sinfonia de Beethoven estreou em 1824 e, para o diretor artístico, a escravidão “era certamente a questão mais crítica aqui durante o período”. “E tem repercussões estruturais na cultura do Brasil. Todas as referências musicais têm a ver, direta ou indiretamente, com isso. Não por acaso estamos musicalmente orbitando a Bahia, que foi o maior porto de entrada dos escravos africanos no País”, afirma.

Alsop, ao deixar a Osesp, assume a Orquestra Sinfônica da Rádio de Viena. Mas manterá ligação com o grupo brasileiro, agora como regente de honra - quem a substituiu por aqui é o maestro suíço Thierry Fischer. A ideia é que Alsop retorne todos os anos para apresentações.

“Estou muito orgulhosa da orquestra e de tudo que conquistamos em conjunto nesses últimos oito anos. Gravamos o ciclo das sinfonias de Prokofiev, temos todas as sinfonias de Mahler registradas em vídeo, assim como as sinfonias de Brahms e Schumann. Foram três turnês incríveis e muitas memórias fantásticas para celebrar.”

O concerto desta 5ª, 12, terá transmissão ao vivo pela página da Osesp no YouTube. Além da orquestra, participam músicos da Sinfônica da USP, do Coro Acadêmico da Osesp, do Coro da Osesp, do Coral Jovem do Estado e quatro solistas: soprano Camila Titinger, a mezzo-soprano Luisa Francesconi, o tenor Paulo Mandarino e o barítono Paulo Szot.

OSESP

SALA SÃO PAULO. PÇA. JULIO PRESTES, S/Nº, TEL. 3777-9721. 5ª (12) E 6ª (13), 20H30; SÁB. (14), 16H30; DOM. (15), 16H.  R$ 55 A R$ 230.

Entrevista com Marin Alsop, maestrina

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O Estado propôs a Marin Alsop uma retrospectiva dos 8 anos à frente da Osesp. Ela topou - e as respostas recuperam alguns dos principais momentos desse período.

Um concerto particularmente especial. A Sinfonia n.º 3 de Mahler.

Um momento particularmente especial. A primeira vez que a orquestra entrou no Royal Albert Hall, em Londres.

Obra que você gostou de reger com a Osesp. A Sinfonia n.º 8 de Mahler.

Uma obra que gostaria de reger novamente com a Osesp. Todas as sinfonias de Mahler!

Um solista com quem foi interessante trabalhar. O barítono Paulo Szot.

Uma palavra que define os últimos oito anos. Uma obra: a Sinfonia n.º 5 de Shostakovich.

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Celebrações dos 250 anos de Beethoven

Brasil Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo Sala São Paulo, dezembro de 2019

Inglaterra Orquestra formada por jovens músicos ingleses London Southbank Centre, abril de 2020

Estados Unidos Sinfônica de Baltimore Joseph Meyerhoff Symphony Hall, junho de 2020

Nova Zelândia Orquestra Sinfônica da Nova Zelândia Apresentações em Auckland e Wellington, julho de 2020

Austrália Orquestra Sinfônica de Sydney Sydney Town Hall, agosto de 2020

China Orquestra e Coro do Centro Nacional de Artes da China Centro Nacional de Artes da China (Pequim), setembro de 2020

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Áustria Orquestra Sinfônica da Rádio de Viena Viena Konzerthaus, outubro de 2020

África do Sul Filarmônica de Johannesburgo Wits Linder Auditorium (Johannesburgo) Filarmônica KwaZulu-Natal Durban City Hall, novembro de 2020

Encerramento Carnegie Hall (Nova York) Orquestra composta de jovens músicos norte-americanos Dezembro de 2020

Sinfonia mudou a história da música

Quase 200 anos depois, talvez seja difícil imaginar o impacto provocado pela 9.ª Sinfonia de Beethoven na estreia. Melhor, então, recorrer ao relato dos presentes nesse momento único na história da música ocidental.

“O último movimento é tão monstruoso e de mau gosto”, anotou Louis Spohr. “A peça revelou segredos mágicos da arte sagrada jamais imaginados”, dizia crítica de um jornal de Leipzig. Pois é. Em 1824, houve quem adorasse, mas também houve quem a considerasse um “pesadelo interminável”.

Mas é bem provável que o desconforto viesse das novidades trazidas pelo compositor. A duração era uma delas: o último movimento da sinfonia dura tanto quanto uma sinfonia inteira de Mozart. Mas não só: pela primeira vez um compositor incluía, em um tipo de peça até então puramente instrumental, um coro e um time de quatro cantores solistas.

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Eles estão presentes porque Beethoven tinha uma mensagem clara a passar, de fraternidade e união entre as pessoas, encontrada no poema À Alegria, de Friedrich Schiller: “Abraçai-vos umas às outras, multidões”.

Não era um tema estranho a Beethoven. Sua ópera Fidelio termina com hino em defesa da liberdade e solidariedade. Da mesma forma, musicalmente o fim da Nona já é intuído no final da Missa Solene (que será apresentada 6.ª (13) e dom. (15), no Teatro Municipal de São Paulo).

Mas a Nona é a Nona. E o que a torna tão especial?

O dramaturgo Bernard Shaw dizia que o mais interessante em Beethoven era sua “qualidade perturbadora”. Já para o maestro Georg Solti, a obra mostrava que “apenas a voz humana era capaz de desafiar a morte”. Para o escritor Romain Rolland, o canto nos lembra que a arte nasce do “diálogo entre o indivíduo e o mundo”.

O ano Beethoven, com muitas outras respostas, está só começando.

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