Ópera perdida de Carlos Gomes volta aos palcos

Partituras de Joanna de Flandres, sumidas desde 1863, foram encontradas e enfim restauradas. No dia 18, um concerto marcará seu lançamento oficial

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Por Agencia Estado
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A ópera Joanna de Flandres, segunda do compositor Antonio Carlos Gomes (1836-1896), vai ganhar sua primeira edição. Estreada em 1863, as partituras foram, durante mais de 130 anos, consideradas perdidas, até mesmo pelo próprio autor. Mas, desde o início da década de 90, quando foram encontrados fragmentos da obra espalhados por arquivos cariocas, os manuscritos originais passaram por processos de restauração e digitalização. E o resultado da empreitada, encabeçada pelos maestros Fábio de Oliveira e Achille Picchi, poderá ser conferido no dia 18, quando um concerto com trechos da ópera, na Sala São Paulo, marca o lançamento oficial da edição das partituras. Durante muito tempo, acreditou-se que as partituras da ópera foram queimadas durante um incêndio no Teatro Santa Izabel, no Recife, para onde um suposto empresário italiano as teria levado - o próprio Carlos Gomes refere-se a esse incidente em uma carta. "Não se sabe, porém, ao certo se essa figura existiu, ou mesmo como as partituras foram parar, separadas, em arquivos do Rio", conta Fábio de Oliveira. O maestro Luiz Aguiar, primeiro pesquisador a sinalizar a descoberta das partituras, no início da década de 90, sugere a possibilidade de Carlos Gomes ter entregue as partituras a d. Pedro II, como gesto de agradecimento à bolsa recebida para estudar na Itália após a estréia da ópera. Das mãos do imperador, então, o material teria seguido para a Biblioteca Nacional de Música e para o Museu Imperial. Aguiar, que também organizou um recital com três pequenos trechos em 1996, em São Paulo, também prepara uma edição da obra, sem data de lançamento prevista. O material foi encontrado em perfeito estado, o que não diminuiu - mas pelo menos não aumentou - a dificuldade do processo de restauração. "É preciso cuidado para compreender a linguagem do século 19, as anotações, o modo característico de escrever, os instrumentos são diferentes", diz Picchi. "Daí a necessidade de conhecer bem a obra de Carlos Gomes, o caminho que ele seguiu ao longo de sua carreira, criar uma familiaridade com o estilo." Além disso, há uma série de anotações nas partituras, em especial nas partes dos músicos, e fica difícil ter certeza de quem são seus autores. "É possível, por comparação, estabelecer aproximadamente a escrita de Carlos Gomes. Mas precisamos lembrar que ele esteve presente aos ensaios e, mesmo que algumas mudanças não tenham sido feitas com sua letra, ele pode ter pedido aos músicos, ou ainda ao maestro, que as anotassem em suas partituras. O que, claro, também não exclui as mudanças feitas por conta dos artistas", lembra Picchi. Para não ficar no plano de suposições, a saída ideal, na reprodução, é a completa fidelidade ao texto musical presente nos manuscritos, anotando possíveis sugestões. "Não mexemos em nada, por mais que algumas sugestões nos parecessem mais corretas que outras, apenas mostramos, à parte, possibilidades. Nesse tipo de trabalho, a humildade sempre deve ser a tônica principal, precisamos ter claro que o objetivo é mostrar a qualidade da música", afirma Oliveira. Livro - O mistério sobre o paradeiro das partituras e a razão de elas terem sido separadas na hora de serem arquivadas são apenas dois itens de uma imensa lista de pontas soltas na história de Joanna de Flandres. E, para expor e discutir muitas delas, a edição da partitura (composta por cerca de 1.500 páginas, com tiragem de 500 exemplares a ser distribuídos em escolas, conservatórios e bibliotecas) será acompanhada de um livro, Joanna de Flandres: A História de uma Ópera, com tiragem de 2.000 exemplares. Nele, Picchi e Oliveira recriam - com base na bibliografia nacional e internacional dedicada ao compositor, assim como em detalhes levantados durante as pesquisas em arquivos - o momento histórico no qual surge Joanna de Flandres. Mais especificamente, trata da criação da Imperial Academia de Música e Ópera Nacional, que tinha como propósito fundar uma escola de canto nacional. Essa idéia, na verdade, estava relacionada com um propósito mais amplo, o da tradução dos libretos de títulos famosos do repertório operístico para que pudessem ser interpretados em português, além da composição de óperas com o libreto original na língua do País. "Hoje, chama muito a atenção essa preocupação da época, em torno da qual se movimentaram figuras ilustres como Quintino Bocaiúva ou mesmo Machado de Assis. Para se ter uma idéia, no ano da estréia de Joanna, o Rio teve 73 récitas de 17 óperas diferentes." O livro também traz um capítulo dedicado à história da verdadeira Joanna de Flandres, traçando paralelos com o modo como a história foi contada pelo libretista Salvatore de Mendonça. O resgate dessa partitura faz parte do projeto Memória da Ópera Brasileira. A idéia é, depois da conclusão de Joanna de Flandres, seguir a trilha de outras óperas nacionais, "seja dentro do universo de Carlos Gomes ou não", segundo os maestros.

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