Ópera inacabada de Mozart é encenada em SP

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Por Agencia Estado
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São Paulo será palco, em outubro, da estréia no Brasil de L´Oca del Cairo, ópera inacabada de Mozart. Em sua versão com recitativos - espécie de diálogos pontuados pela música, que unem os trechos mais importantes de uma ópera -, a obra foi montada apenas duas vezes, em mais de 200 anos. A história que cerca a realização do projeto é, no mínimo, inusitada: vai da encenação dos jardins da casa de uma senhora da sociedade paulistana à possível estréia norte-americana da peça, em Nova York, com elenco quase todo brasileiro. No fim do ano passado, Bea Esteve e seu marido, o empresário Pepe Esteve, resolveram mudar o perfil das apresentações de teatro e música que sempre marcavam o réveillon no jardim de sua casa. Bea conversou com o maestro Graham Griffiths, inglês radicado no Brasil acostumado a dar a ela e suas amigas aulas de apreciação musical. Ele comentou, então, sobre uma partitura de Mozart inacabada por divergências com seu libretista. Bea entrou em contato, então, com o diretor cênico André Heller, que lhe expôs as dificuldades de encenar uma ópera sem final. Uma saída, que acabou sendo adotada, era unir o que Mozart deixou da partitura com alguma outra ópera. E não foi necessário procurar muito. "Sugeri a fusão com o singspiel O Empresário, no qual Mozart narra a história de uma companhia de ópera que está preparando uma produção para Salzburgo", conta Heller. Nos momentos em que há trechos ensaiados pela companhia, serão utilizadas as cenas de L´Oca del Cairo. "O Empresário teve sua estréia também em um jardim, como era comum naquela época, o que faz um paralelo interessante", completa o diretor. Heller acionou a produtora Ato Primo, especializada na montagem de óperas, que, com Bea, procurou o empresário Max Feffer, um dos fundadores da Sociedade Brasileira de Ópera, em busca de apoio. "Feffer adorou a idéia", lembra Bea, "e se prontificou a ajudar na realização do projeto." No entanto, pouco depois de acertar os detalhes da produção, Feffer morreu. "O projeto, então, mudou de figura e se transformou em uma homenagem a Feffer, por seu trabalho em prol do crescimento da produção operística brasileira", diz Bea que, com Eddynio Rossetto, da Ato Primo, decidiram não limitar o espetáculo a uma única apresentação, mas levar a produção para o Teatro São Pedro, agora dentro da programação da Sociedade Brasileira de Ópera. Mas, para tanto, era preciso dinheiro. E a solução foi partir em busca de patrocínio. Bea acionou amigos e foram vendidas 23 cotas de patrocínio, com valores variando entre R$ 3 mil e R$ 15 mil. Ficou decidido, também, que a apresentação do dia 7, na casa de Bea, será beneficente e toda a renda obtida com os ingressos - distribuídos a convidados e vendidos pelo salgado preço de R$ 300 - será doada à associação Anima, voltada a crianças portadoras do vírus HIV. Os ingressos para as récitas no Teatro São Pedro vão custar R$ 20 (metade para estudantes e idosos). A família Feffer está patrocinando a filmagem, e o making of da produção. E estuda-se a viabilização da ida da montagem a Nova York. L´Oca del Cairo já foi apresentada outras vezes pelo mundo (não muitas, é verdade, e, em sua maioria, em projetos amadores). No entanto, esta é a primeira montagem nas Américas que utiliza a versão com recitativos feitos por Erik Smith, grande conhecedor da obra de Mozart e responsável pela gravação das suas óperas completas lançada pela Philips, no início da década de 90, por ocasião do bicentenário da morte do compositor. Trata-se da versão oficial editada pela gigante editorial do mundo da música, a Barenreiter. "Conversei várias vezes com Smith, responsável pela composição dos recitativos ao longo dos anos. Com calma, ele sempre buscou manter-se dentro do espírito mozartiano", conta Griffiths, ressaltando também que, apesar de incompleta, a partitura é bastante significativa na evolução do trabalho de Mozart, sendo composta na mesma época que alguns de seus grandes sucessos, como As Bodas de Fígaro. Aliás, segundo Griffiths, não apenas há relações entre melodias como também na temática e nos personagens. "Como nas Bodas, há três personagens femininas, o embate entre classes sociais, a caracterização da nobreza. No mais, cada compasso da obra antecipa óperas como Bodas e Don Giovanni." Entre o elenco escolhido há alguns dos principais solistas nacionais, alguns deles, como o barítono Sandro Christopher e o baixo Pepes do Valle, bastante familiarizados com a obra de Mozart. Completam o elenco nacional as sopranos Edna D´Oliveira e Celinelena Ietto e o tenor Luciano Botelho. Dos Estados Unidos vieram dois solistas convidados: a soprano Marnie Breckenridge e o tenor Dillon McCartney. McCartney foi uma sugestão da própria Bea Esteve. Eles se conheceram após um concerto em Veneza, no ano passado. Natural de Nova York, antes de ser convidado a participar da produção, o tenor - por questões financeiras - dividia carreira de cantor com o trabalho de digitador dentro do complexo do World Trade Center. "Quando confirmaram minha vinda ao Brasil, pedi demissão. Pode-se dizer que tive sorte e que estou muito contente de estar cantando por aqui." Dá para entender o porquê.

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