O tenor com a voz mais bela do mundo

Assim Pavarotti definiu o colega espanhol Jaime Aragall, que está em São Paulo dando master class Clique para ouvir Aragall cantando a ária "E Lucevan le Stelle"

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Por Agencia Estado
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A voz mais bela de tenor que já ouvi - o comentário teria saído da boca de Luciano Pavarotti. Mas, mesmo que seja só mais uma lenda do mundo da ópera, bem que poderia ser verdade. Um belo timbre, senso de estilo impecável e a inteligência na escolha de papéis fizeram do tenor espanhol Jaime Aragall figura ímpar no cenário operístico das últimas décadas. Seu nome, é verdade, não é dos mais conhecidos: mas suas gravações de óperas como Tosca e Bohème falam por si. Aragall está no Brasil desde o início da semana, para uma série de master classes que integram o festival da Cia. Ópera São Paulo - que teve ainda um recital em homenagem a cantores brasileiros como Glória Queiroz e Alfredo Colosimo e se encerra, sábado e domingo, com duas récitas da Traviata de Verdi no Teatro São Pedro. Aragall, de 65 anos, está surpreso com a qualidade das vozes que tem ouvido nas aulas realizadas na cúpula do Municipal. Já pediu, por exemplo, uma fita com algumas árias interpretadas pelo tenor Rubens Medina (o D. Álvaro da Força do Destino recente do teatro paulistano). Diz que quer levar sua voz para a Europa. "O material vocal que tenho ouvido é muito bom, é uma lástima que não seja bem aproveitado", diz ele em entrevista. "É uma das coisas que não consigo entender, assim como a falta de uma escola de canto nacional." Até aí, a gente também não. "Para ser um cantor, é preciso antes de tudo uma boa voz, bom ouvido, técnica sólida, senso da linha melódica. Mas é necessário, e nisso uma escola ajuda, saber exatamente como guiar o material", completa. Não é de hoje que Aragall (o primeiro nome, Jaime, na Itália virou Giacomo) dedica-se à formação de novas vozes. Desde meados da década de 90, ele viaja mundo afora para master classes. E o que ouve, tem agradado? "Cada país, claro, tem suas particularidades. Mas, vozes, há em todo lugar. O que pode faltar, ou não, é bons professores. O Brasil, por exemplo, surpreende com a quantidade de boas vozes." Além disso, criou dois concursos de canto na sua Espanha natal, preocupado em lançar novas vozes ao mercado. E ele sabe bem a importância de oportunidades como essas. Foi com dois concursos que sua carreira começou de fato, levando-o aos principais palcos do mundo. "Posso dizer, com certeza, que desde os 21 anos sabia que minha vida seria o teatro", ele conta. E foi mais ou menos nessa época, após vitória em um concurso espanhol, que fez sua estréia, no La Fenice, de Veneza, como Gaston na Jerusalém de Verdi. Novos prêmios, novas chances de audição e viria, então, a estréia no Scala de Milão, no mesmo ano. De lá, foi alçado - como acontece com os cantores que se saem bem no grande templo da ópera italiana - para Londres, Paris, Nova York e aí vai. Pouco depois, começaria o relacionamento profissional mais frutífero de sua carreira, com sua estréia na Ópera Estatal de Viena - ao longo de mais de 20 anos, só não esteve na capital austríaca em duas temporadas, o que é uma marca acima de qualquer suspeita. Com o tempo, à medida que acumulava teatros (no Brasil, nunca cantou, só esteve aqui de passagem, a caminho do Colón de Buenos Aires), também a voz foi mudando, dos papéis mais leves àqueles mais pesados, compondo um painel que inclui Rodolfo (Bohème), os papéis-títulos de Fausto , Werther e Don Carlo, o Duque (Rigoletto), Romeu (o de Gounod), Cavaradossi (Tosca), enfim,... "O grande segredo do cantor está em entender exatamente o que é possível fazer com sua voz", ele diz. "Uma grande carreira não se mede pelo número de papéis interpretados, 20 ou 30 óperas são suficientes. Mais que isso, é um erro. Cantar um papel inadequado para sua voz é como colocar Ronaldo para jogar no gol: simplesmente não vai render", brinca. A lição, ele conta, aprendeu com o grande Alfredo Kraus, tenor espanhol morto no ano passado. Kraus foi - e ainda é - símbolo do respeito à voz, da busca por papéis que caibam perfeitamente em seu instrumento, e nada mais do que isso. Não é por acaso que, depois dos 60, quando muitos cantores começam a abandonar os palcos, ele ainda era capaz de momentos memoráveis, como a gravação (selo Phillips), da Traviata, ao lado de Kiri Te Kanawa e Zubin Mehta. "Kraus foi uma referência muito importante", garante Aragall e, ouvindo os dois, percebe-se isso em muitos sentidos: o estilo, a elegância da linha melódica, a técnica precisa. É irresistível perguntar a Aragall sobre os grandes cantores e maestros com quem trabalhou. A lista é enorme - entre os maestros, por exemplo, ele cita apenas alguns que lhe vêm à mente: "Solti, Kleiber, Gavazzeni, Maazel, Abbado"; entre os cantores, "Piero Capuccili, Renato Bruson, Tito Gobbi, Vicente Sardinero". Mas não adianta perguntar como era trabalhar com eles. Com relação aos regentes, diz apenas que eram "gênios, com quem podíamos conversar e criar alguma coisa". Sobre a química no palco, porém, "não tem segredo". "O que precisa é o cantor ter uma boa voz, tudo aquilo que disse, estar bem no dia, subir ao palco e cantar. Se o colega ao seu lado fizer a mesma coisa, sai tudo bem. As pessoas insistem em achar que é mais complicado que isso. Mas não é." Traviata - Aragall estará presente às duas récitas da Traviata, sábado e domingo. Mas de boca fechada. Vai ouvir alguns dos representantes da nova geração do canto lírico brasileiro, selecionados pela Cia. Ópera São Paulo em audições realizadas há dois meses. No elenco deste sábado, estarão o tenor Marcelo Vanucci (Alfredo), a soprano Kalinka Damiani (Violetta) e o barítono Douglas Hahn (Germont). Domingo, será a vez do tenor Richard Bauer, da soprano Eliseth Gomes e do barítono Rodolfo Giuliani. A regência é de Carlos à frente da Sinfônica de Americana. A concepção cênica é de Walter Neiva. Serviço - La Traviata. Duração: 2h45. Theatro São Pedro. Rua Barra Funda, 171, tel. 3667-0499. Sábado e domingo, 18 horas. De R$ 20 a R$ 60

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