O rei do ritmo, Jackson do Pandeiro, ganha biografia

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Por Agencia Estado
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Ninguém "dividia" como Jackson do Pandeiro. "Dividir" é balançar, suingar, quebrar para fazer requebrar, criar síncopes, inverter tempos fortes, mexer na estrutura da frase musical para fazer com que o ouvinte se mexa; dividir é chamar o ritmo, dominá-lo, desdobrá-lo, redescobri-lo, reconduzi-lo, recriá-lo. Porque ninguém dividia como Jackson do Pandeiro, ele era chamado de rei da divisão, ou rei do ritmo. Esta última expressão foi a escolhida por Fernando Moura e Antônio Vicente para dar título à biografia do cantor, compositor, pandeirista, ator eventual paraibano nascido João Gomes Filho, depois Zé Jack, Jack do Pandeiro, por fim Jackson do Pandeiro. Jackson do Pandeiro: O Rei do Ritmo não é a primeira biografia de Jackson. Existe outra, publicada pela Funarte, nos anos 70, menos detalhada. Esta nova é um estudo exaustivo, que tomou oito anos de trabalho dos autores. É mais um título da Coleção Todos os Cantos, da Editora 34 (412 páginas, R$ 32,00). O co-autor Fernando Moura orientou a pesquisa sobre Jackson para o documentário sobre o músico que Marcus Vilar começa a rodar no início do ano que vem. Jackson brilhou dos anos 40 aos 60. Foi atropelado pelos movimentos musicais dessa década - a intimista bossa nova, a eletrificada jovem guarda. Entrou em decadência. Mas é, para a música oriunda do Nordeste, figura de importância equivalente à de Luís Gonzaga. Foi influência definitiva na música pós-tropicalista de Gilberto Gil, a partir do final dos anos 60; é fundamental para Alceu Valença, que surgiu nos anos 70, para Lenine, que despontou no fim dos anos 80. É referência imediata para o mangue beat de Chico Science e para a segunda geração do movimento que floresceu em Pernambuco em meados da década passada. O grupo Mestre Ambrósio cita Jackson em toda a obra. O conjunto Cascabulho dedicou seu até agora único CD a Jackson do Pandeiro; do Cascabulho, para carreira-solo, saiu o cantor Silvério Pessoa, que acaba de lançar o dico O Povo dos Canaviais, em que homenageia Jacinto Silva, seguidor de Jackson. Assim, de forma direta, Jackson do Pandeiro está presente na música brasileira contemporânea. Alguns de seus sucessos - músicas compostas por ele, ou por ele transformadas em sucesso - fazem parte da memória coletiva da MPB: Forró em Limoeiro, Sebastiana, O Canto da Ema, Chiclete com Banana. José Gomes Filho nasceu numa casa descrita como paupérrima construída nos limites do Engenho Terra, em Alagoa Grande, brejo da Paraíba, no dia 31 de agosto de 1919. Sua mãe era a coqueira - cantadora de coco - Flora Maria da Conceição, que usava como nome artístico Flora Mourão, muito requisitada nos arredores. O pai era o oleiro José Gomes. A infância foi passada entre Alagoa Grande e Campina Grande, para onde mãe e filho pequeno se mudaram, com a morte do oleiro. O menino herdou a aptidão musical da mãe. Ela foi o seu grande ídolo. Os biógrafos contam que Jackson carregava no fundo da mala, sempre que teve de viajar, até o último show que fez, o vestido branco surrado de Flora Mourão. Era um vestido cheio de babados, que ela usava nas apresentações (o pai não participava com ela, mas não a impedia de cantar - afinal, aquilo ajudava no orçamento). Jackson acompanhava a mãe. Antes de fazer 7 anos, começou a tocar zabumba. O zabumbeiro, João Feitosa, desaparecia, vez por outra. O menino o substituía. Quando tinha 10 anos, já era integrante fixo da banda. Ganhava um dinheirinho, ia ao cinema. Gostava especialmente do ator canastrão de bangue-bangues Jack Perrin. Adotaria o Jack como nome artístico, depois modificado para Jackson. Durante o dia, era ajudante de padeiro. À noite, tocava nos cabarés. Na metade dos anos 30, já era pandeirista respeitado. Era também mulherengo, adorava a noite e as mulheres - e assim durante toda a vida. Em Campina Grande, começou vida profissional no Cassino Eldorado. De lá foi para a capital, João Pessoa, em 1945. Conseguiu emprego na Rádio Tabajara; de lá foi para o Recife - para a rádio Jornal do Commercio, rota de migração cumprida por outros músicos nordestinos nascidos no interior, como Sivuca ou Hermeto Paschoal. Virou Jackson do Pandeiro na rádio pernambucana e, com o novo nome, começaria a ganhar o Brasil. Mas só em disco. Havia formado, em 1953, uma dupla, com o compositor Rosil Cavalcanti. Lançaram, naquele ano, o 78 rotações que trazia Sebastiana, de Rosil. A música fez sucesso não só no Recife. Os grandes animadores do rádio, no Rio, disputavam aquele artista sem cara - Jackson tinha medo de avião e não queria ir para o Rio de jeito nenhum. Sebastiana foi uma das músicas de maior sucesso dos anos 60 - mas quem era o tal do Jackson do Pandeiro? Um dia ele foi. Essa é a história destrinchada em Jackson do Pandeiro: O Rei do Ritmo, que cuida detalhadamente da relação com a mulher e parceira de palco Almira Castilho, professora, atriz e rumbeira, e segue a carreira do músico até sua morte - quase no esquecimento - em Brasília, em setembro de 1982. O livro tem o mérito de examinar, em paralelo, o desenvolvimento do Nordeste, no século passado, e investigar a formação dos gêneros musicais surgidos lá, que Jackson ajudou a tornar nacionais.

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