PUBLICIDADE

O que Chadwick Boseman fez por James Brown, Brown, agora, fará por ele

Quatro anos antes de viver o herói Pantera Negra, ator interpretou o inventor do funk em um filme vitorioso por seu poder em transportar Brown não nas pernas, mas nos olhos. Ouvir Brown, agora, será ver Boseman também

Foto do author Julio Maria
Por Julio Maria
Atualização:

Antes de ser Pantera Negra no filme de Ryan Coogler, Chadwick Boseman foi James Brown. E isso quatro anos antes, mas com uma divulgação e um investimento infinitamente menores no longa que, no Brasil, chegou com o título Get on Up – A História de James Brown,  mesmo com a co-produção de Mick Jagger. Uma pena, já que Brown, muito antes de Pantera Negra, se tornou o primeiro super herói negro da música pop mundial. E Boseman emprestou sua capacidade de transferência de personalidade, algo mais mediúnico do que dramático, para salvar um filme de roteiro ruim mas com o melhor personagem que a música pop produziu desde o advento do blues, na década de 20 do século passado.

Boseman como James Brown, em 2014 Foto: Universal Pictures

PUBLICIDADE

A crítica passou como um trator sobre os disparates da direção que, de fato, parecia querer dar conta de uma vida como a de Brown em duas horas de longa, um erro capital das cinebiografias, mas nem só de direção vive um filme. E a parte que o resgatou das perdições esteve nas mãos de Boseman. Além de uma caracterização brilhante, o ator assumiu primeiro seus trejeitos de andar, seu sotaque cantado, sua malandragem e muitos de seus passos em cena. Mais do que interpretado, o criador do funk vinha evocado em cenas espetaculares, como nos show do Apollo Theater, no Harlem, onde decidiu gravar um show memorável, e no ensaio em que Brown ensina a seus músicos, em especial ao saxofonista Maceo Parker, que o contesta, o que ele deseja ao propor um ritmo que, no início, parecia não querer chegar a lugar nenhum: “O que há de errado, Maceo?” “Não podemos tocar como você nos disse. Não funciona musicalmente.” “Parece bom?” “Sim” “É gostoso?” “ Sim.” “Você se sente bem ao ouvi-lo?” “Sim.” “Então, vai funcionar.”

Boseman tinha o que muitos atores que chegaram a participar das audições com o diretor Tate Taylor não tinham, profundidade. James Brown não se faz com cinco passos de dança e a capacidade de dublar as músicas do filme , todas originais, da voz do próprio cantor. O que se vê na tela está nos olhos. Brown fora dos palcos podia ser tudo, descontrolado, emotivo, diáfano, distante e extremamente egocêntrico. Mais do que sabê-lo viver com as pernas, o que já seria uma conquista, o ator o transportava em um olhar ameaçadoramente perdido, massacrado por uma vida sem respiro. A mãe o abandonou, o pai bebia e o surrava e a polícia o prendia.

Quando o mundo inverte os personagens fazendo-os dar aquilo que receberam, lá por volta da juventude, ele passa a cometer roubos e a bater na mulher até que, na prisão, a visão dos primeiros pastores protestantes em ação,. um deles fazendo o passo que Brown irá incorporar em seus shows, começa a mudar o rumo da prosa.

James Brown seria então o primeiro herói negro a se tornar um anti herói. Seria, mas o herói em questão que Boseman trouxe de volta, como Pantera Negra, é aquele que se vê do palco pra cima, cada um em sua Wakanda particular. Como Pantera Negra, que volta para recuperar e trazer luz a seu reino, James Brown faz isso todos os dias assim que alguém coloca I Fell Good pra tocar. A partir de agora, ele traz também Chadwick Boseman.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.