O pianista Paulo Álvares fala sobre o 'Concerto nº 4' de Guarnieri, que toca com a Osesp

Obra composta em 1968 é fundamental dentro da carreira do compositor Camargo Guarnieri

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Por João Luiz Sampaio
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A fonte principal é o manuscrito original. Há também anotações feitas pelo compositor com base em algumas execuções da obra – e a contribuição de um músico e pesquisador que está preparando uma edição da partitura nos EUA. Ouvindo o pianista Paulo Álvares, seria natural supor que a obra à qual ele tem se dedicado nas últimas semanas é alguma obscura criação de tempos longínquos. Mas não: trata-se do Concerto nº 4 para piano e orquestra de Camargo Guarnieri, obra do final dos anos 1960 que ele sola a partir desta quinta, 11, na Sala São Paulo, com a Osesp.

“O repertório brasileiro ainda precisa ser melhor centralizado e organizado”, ele diz, após uma manhã de ensaios. “Sem isso, fica difícil ter acesso a peças importantes, que merecem uma atenção maior por parte dos intérpretes.” O caso desse concerto serve de exemplo. “Se levarmos em conta as anotações que o próprio Guarnieri e pianistas podem ter feito durante execuções da obra, é possível imaginar que há muito material espalhado ainda com relação ao concerto. Seria ótimo poder reunir tudo isso.”

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Guarnieri escreveu o Concerto em 1968 (e o gravou em 1983). A obra é fundamental dentro da carreira do compositor – não apenas por mostrar a evolução de seu trabalho, mas também, e talvez principalmente, por problematizar o que o senso comum acoplou à sua criação. Símbolo do nacionalismo musical, suas obras foram lidas durante muito tempo à luz da oposição entre nacionalistas e vanguardistas. Aqui, no entanto, ele oferece outros paradigmas. “É uma peça hermética, experimental, na qual ele trabalha com a linguagem serial e com o dodecafonismo, com um beleza rara e uma maestria técnica que impressiona. Há um domínio claro do métier, evidente por exemplo na heterogeneidade das linguagens que ele usa no concerto. E há também essa aspereza, que talvez tenha a ver com o momento político em que a obra nasceu ou mesmo com o sentimento de isolamento cultural do qual ele se ressentia, promovido por uma vanguarda que o ridicularizava”, diz Álvares.

Radicado na Alemanha, onde é professor da Escola de Música de Colônia (ele também dá aulas em Portugal), Paulo Álvares tem sua trajetória bastante associada à música do século 20 e 21. Trabalhou com nomes como Karlheinz Stockhausen e Mauricio Kagel, entre tantos outros. Conhecer o Concerto de Guarnieri, diz, foi uma revelação. E acaba servindo como ponto de partida para uma discussão acerca da criação musical do País.

Questionado sobre maniqueísmos estéticos, ele cita, por exemplo, o interesse de uma aluna que, na Alemanha, dedicou-se a estudar a obra de Claudio Santoro. “Há ainda um preconceito muito grande no modo como entendemos autores como ele, Guarnieri ou mesmo Villa-Lobos. O ambiente musical brasileiro incorporou os comandos de uma certa estética europeia e isso dificulta que nós mesmos possamos ver nossa música de uma outra maneira, com a força criadora e inovadora que ela teve, sem uma visão colonialista. É claro que é preciso olhar esse passado criticamente, mas a força criativa de um autor como Villa-Lobos, de alguma forma, é desvalorizada aqui dentro. Falta flexibilidade. Um exemplo que acho importante é a releitura que um compositor como Willy Corrêa de Oliveira, sempre muito crítico de Villa-Lobos, fez de seu trabalho nos últimos anos, com uma visão crítica, sim, analítica, mas respeitando a força criativa dele. Isso é importante, essa mudança na relação que se estabeleceu com o nosso passado musical.”

OSESP E PAULO ÁLVARES Sala São Paulo. Praça Júlio Prestes, 16, Luz, 3367-9500. 5ª (11), às 21h. R$ 42/ R$ 194 (ensaio aberto, às 10h – R$ 10).

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