O lirismo de June Anderson, de volta a SP

A soprano americana vem a São Paulo pela quarta vez para recitais com obras de Verdi, Donizetti, Rossini e Bellini, no Teatro Municipal

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Por Agencia Estado
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Aos 17 anos, June Anderson surpreendeu o mundo da ópera norte-americano ao ser a mais jovem finalista da longa história das audições nacionais do Metropolitan, de Nova York. De promessa, passou a soprano sensação nos Estados Unidos. Deixou de lado o desejo de se tornar advogada e, em 1978 fazia sua estréia na New York City Opera. Óperas de Verdi, Donizetti e Rossini foram a trilha sonora de seu início e, até hoje, ao lado de Bellini, compõem a essência de seu repertório. E também do programa do recital que ela faz na quinta-feira da semana que vem na cidade, acompanhada da Orquestra Sinfônica Municipal e do maestro Ira Levin. A apresentação de June Anderson marca o encerramento da temporada de concertos da Tucca (Associação para Crianças e Adolescentes com Tumor Cerebral), com patrocínio da Novartis e apoio cultural dos bancos Bradesco e Safra, além das Jóias Vivara. Esta é a quarta vez que ela vem a São Paulo, que já a viu em momentos bastante distintos de sua carreira. Em 1996, fez recital ao lado do pianista Jeff Cohen. Dois anos mais tarde, um concerto bastante irregular ao lado do barítono Juan Pons. A resposta às críticas, ela deu em 2000, quando cantou uma inspirada Lucia di Lammermoor, também no Municipal. Na quinta, ela abre o programa com Casta Diva, famosa ária da Norma de Bellini. Entra, então, no repertório rossiniano, com Una Voce Poco Fa, do Barbeiro de Sevilha, e Tanti Affetti e Fra il Padre e fra l´Amante, ambas de La Donna del Lago (ópera da qual há uma versão em DVD com June no papel de Elena e regência de Riccardo Muti, no Scala de Milão). Na segunda parte, Verdi: a Canção do Salgueiro, do Otello, Surta e la notte e Ernani! Ernani involami, de Ernani, e Sempre Libera, da Traviata. Da mesma ópera, a orquestra interpreta o Prelúdio ao Ato 3, além de executar as aberturas de A Força do Destino, também de Verdi, do Don Pasquale, de Donizetti, e da Semiramide, de Rossini. "Estes são os compositores que fizeram minha carreira", reconhece June em entrevista. "Passei mais tempo com esses papéis, o que justifica minha preferência por eles sempre que faço recitais." Deles, Bellini foi o que mais demorou para incluir em seu repertório. "Mas hoje, ao lado da Traviata, Norma é a ópera que mais sou convidada a fazer. Bellini é meu Deus, qualquer autor que possa escrever uma ópera como Norma tem algum tipo de poder especial." Com relação a Verdi, ela é um pouco mais econômica nas palavras. "É uma escrita muito bem-feita, na tradição de Rossini, mas é também uma música que, em alguns casos, pode fazer certo mal à saúde do cantor." Técnica e estilo - June faz questão, logo de cara, de deixar claro que não acredita em um tipo ideal de voz para se cantar Verdi, ou qualquer outro compositor. Questiona, por exemplo, a idéia da "voz verdiana", que considera um clichê criado pela necessidade das pessoas de "encaixar tudo em categorias". O que vale, acima de tudo, é a percepção do cantor com relação a cada papel. "Toma-se como exemplo grandes cantores de Verdi, que viram padrões que dificultam o trabalho do cantor. Cada voz possui uma característica distinta, você precisa sentir sozinho exatamente o que você pode ou não fazer. Quando se fala, por exemplo, do barítono verdiano, na verdade manifesta-se um desejo absurdo e escondido de que todos os barítonos dispostos a cantar Verdi se pareçam com Leonard Warren." A soprano defende, acima de tudo, o refinamento da técnica. "O modo de produzir a voz é sempre o mesmo, é o básico do qual qualquer cantor precisa partir. O estilo, que difere um Bellini de um Verdi, faz parte do processo de interpretação, do trabalho de ator que o cantor precisa fazer." O senso de estilo, para June, é um dos principais diferenciais que um cantor pode ter a seu favor. Mas ela acredita que, hoje, são poucos os que o têm. A procura é grande, a oferta, no entanto, é pequena. "A fórmula é simples." E qual seria o motivo? A velha alusão ao ritmo frenético de trabalho, que leva cantores de um teatro a outro, de um repertório a outro, sempre em curtos períodos de tempo, sem ensaios suficientes, sem dar à voz chance de descansar? "Tudo bem, é uma explicação possível. Mas, na minha opinião, é mais uma desculpa que qualquer outra coisa. Se não há ensaios suficientes, ensaie por conta própria, faça seu dever de casa e não fique culpando os outros. Isso é coisa de americano, a culpa sempre precisa ser de alguém, menos sua, é claro." Com relação às viagens constantes, June diz não se incomodar muito, conta que, quando está de folga, dá um jeito de viajar, sair de sua casa em Nova York. "Virei uma cigana", brinca. Ela tem se afastado dos palcos. Reconhece que, hoje, na hora de montar sua agenda, prefere recitais a montagens de ópera que, aliás, raramente assiste; é daquelas cantoras que afirma que música é "meu trabalho, e só". Diz, no entanto, que admira Callas que, ao lado de Montserrat Caballé, foi sua maior influência. "Não dá para definir cantoras como Callas, mas é impossível não tirar lições de seu trabalho. Não procuro me espelhar em nenhum cantor, mas ouvi-la ou Montserrat cantando me permite compreender o modo como grandes artistas enfrentam seus papéis. Agora, querer cantar Norma como Callas é suicídio." Com o tempo, a antipatia de June com o repertório contemporâneo não diminuiu em nada. "Tenho dificuldades em pensar minha voz como um instrumento de percussão, prefiro poder me expressar por meio de uma linha melódica, minha voz é naturalmente lírica." Com a idade percebe que seu modo de ver algumas personagens mudou, e considera isso bom. Diz que aprendeu a entender as mudanças pelas quais passou sua voz ao longo dos anos. "Hoje, é cada vez mais difícil atingir alguns agudos e outros, bem, simplesmente se tornaram impossíveis. Mas isto faz parte da carreira do cantor, mais cedo ou mais tarde a gente precisa se conscientizar disso." Ela não faz planos, mas afirma que tem uma vida fora do universo da ópera, dando uma indicação do que fará quando o tempo da aposentadoria chegar. "Gosto muito de ler, ver filmes, e pintar. Coisas que se pode sozinha." Orquestra Sinfônica Municipal. Solista convidada June Anderson. Regência Ira Levin. Dia 21/11,às 21 horas. De R$ 90,00 a R$ 200,00. Teatro Municipal. Praça Ramos de Azevedo, s/n.º, São Paulo, tel. 222-8698. Patrocínio: Novartis.

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