O canto dos Orixás ao som de guitarras, por Rita Ribeiro

Cantora recria temas relacionados ao candomblé com eletrônica e rock

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Por Agencia Estado
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Desde 1989, Jurema é a dijina de Rita Ribeiro, é seu grito de guerra. Sempre presente em seus shows desde então, o tema é reinventado a cada aparição. Gravado no primeiro álbum da cantora maranhense, Jurema foi precursora do projeto Tecnomacumba (Biscoito Fino), que enfim baixa no corpo de um CD, depois de três anos de testes bem-sucedidos no palco. Até entre os fãs o resultado provocou um certo estranhamento inicial. Tanto pelo prefixo "tecno" como pela designação da "macumba", despertou atitudes de rejeição, fundindo duas pontas que nada têm de tão incompatíveis. Ambas estão relacionadas pela marcação rítmica das pistas de dança em sintonia com algo transcendente dos rituais de candomblé e umbanda. "O termo macumba tem um lado pejorativo forte, dentro do religioso. O CD tem uma pesquisa que vai dentro desse ritual, mas também vai além", defende Rita. "Por isso escolhi autores conhecidos para respaldar o que as pessoas teimam em não ver, que é essa riqueza da cultura negra afro-brasileira. Até por isso acho que o projeto vai ter mais visibilidade fora do Brasil do que aqui, infelizmente." Como não tinha contrato com distribuidora nenhuma, a cantora promoveu em seu site (www.ritaribeiro.com.br) uma edição limitada do CD e diz que ficou satisfeita com a receptividade dos fãs, apesar do estranhamento. O projeto é mais um avanço seguro na carreira de Rita. Sem naturalmente se repetir ou se preocupar com o que está na moda, a cantora fez do segundo álbum (Pérolas aos Povos, de 1999) uma espécie de continuidade de Rita Ribeiro, de 1997), como ela mesma afirma. Ficou mais pop em Comigo (2001) e agora volta com uma linguagem roqueira (mais do que o tecno a que induz o título), pautada pelo peso das guitarras de Israel Dantas, co-produtor do álbum com ela. Comigo também foi produzido por outro profissional do instrumento, Pedro Mangabeira. "Embora não saiba tocar, gosto muito dos timbres, tenho verdadeira paixão por guitarra", diz Rita. Para as programações eletrônicas (que aparecem sutilmente), ela chamou Ramiro Musotto, Luiz Brasil e Jongui. "Mantive a sonoridade do show, procurando não perder a característica da música brasileira e que ao mesmo tempo não ficasse perdida." Recria Gil e Caetano Além das renovadas Jurema e Cocada (Antonio Vieira), Rita recria temas antológicos de Gilberto Gil e Caetano Veloso (Babá Alapalá, do primeiro, Oração ao Tempo, do segundo, e Iansã, dos dois), Jorge Ben (Domingo 23), Dorival Caymmi (Rainha do Mar), Tony Osanah (Cavaleiro de Aruanda), Gerônimo e Vevé Calazans (É d?Oxum). Contempla os principais orixás, alternando e fundindo essas canções com tradicionais pontos de candomblé e outros dois clássicos - A Deusa dos Orixás (Toninho/Romildo) e Coisa da Antiga (Wilson Moreira/Nei Lopes) - eternizados por Clara Nunes, a voz mais divinamente embrenhada nesse terreiro. O CD abre com uma colagem um tanto longa de pontos de saudação. A marcação quebrada às vezes faz outras boas faixas demorarem a engrenar. É o caso de Domingo 23, que não embala no suingue original. Ruidosos, arranjos como o de Babá Alapalá escondem a imensamente bela, extensa, potente e afinada voz de Rita - a mais expressiva de todas as surgidas desde ela própria. Quem duvida vá direto à refrescante interpretação de Oração ao Tempo, que é quando o CD passa a fulgurar. Depois tem É d?Oxum e as outras baianas já citadas, até chegar ao Maranhão de Tambor de Crioula (Junior/Oberdan Oliveira) e à doçura do Canto para Oxalá, bem adaptado por ela. Quando está na gira de Jurema, com ela ninguém pode. Agora, quando imerge em águas serenas é como colo de mãe.

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