O Buena Vista Social Club do agreste

O compositor Siba, do Mestre Ambrósio, reúne músicos veteranos da Zona da Mata hoje, em São Paulo, para mostrar as músicas do CD Fuloresta do Samba

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Por Agencia Estado
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Cortando o silêncio, um latido distante de cachorro e o ruído agudo das cigarras. Baixinho, um trombone introduz a melodia exalando o calor da brisa quente. Mais um trombone e dois trompetes invadem o som e injetam maior volume às notas, chamando a percussão - que entra rasgando o peito. Vem a voz e a viagem à Zona da Mata do Norte de Pernambuco começa com o compositor Siba fazendo as vezes de guia turístico, mestre de cerimônias. É dele o álbum e o show Fuloresta do Samba, que será apresentado hoje em São Paulo e reúne músicos veteranos de Nazaré da Mata, a 60 quilômetros de Recife, e oferece um passeio pelos ritmos da ciranda e do maracatu de baque solto. Siba, que canta e toca rabeca no Mestre Ambrósio, matutava a idéia do disco fazia tempo. "Essa relação com a Zona da Mata é a base da minha formação como músico - reflete-se no fato de eu tocar rabeca, no que escrevo e canto, na minha contribuição para o Mestre Ambrósio", conta. "Naturalmente, sempre quis gravar com esses músicos com quem sempre toquei na rua, na mata - mas nunca em disco." Para o músico, Fuloresta do Samba serve como argumento para uma tese antiga de que a cultura popular é muito mais arte do que divertimento. "Existe hoje um senso comum de que tudo que está ligado à tradição - como o maracatu e o samba carioca - é ótimo para servir de mistura para a música moderna", explica. "Mas a minha experiência é outra. No Mestre Ambrósio, a gente pegou essa tradição e tranformou na base do nosso trabalho e fez uma coisa nova. Mas, mesmo fazendo algo novo, a gente não tem a intenção de modernizar." O argumento de Siba, aparentemente, diverge de uma das bandeiras do movimento mangue beat - mas, ele esclarece, é só aparência mesmo. "Eu nunca busquei conflito, acho mais é que as idéias diferentes têm mesmo é que conviver. O que eu faço hoje é completamente diferente do que o Chico Science propunha - ele sim queria modernizar o passado", compara. "Mas nem por isso eu acho o que ele fazia ruim. O ponto de vista dele realmente era diferente do meu." Embora diferentes, os pontos de vista dialogam. Prova disso é a propaganda que Fred 04 - outra peça chave da cena mangue - fez em um show de sua banda Mundo Livre S/A para Fuloresta do Samba. "É um disco que estava faltando para a cena musical de Recife. É uma espécie de Buena Vista Social Club do nordeste", disse ele, na ocasião. A comparação com o trabalho que Ry Cooder fez em Cuba é aceita só em parte por Siba. "Eu acho que é um projeto diferente com um ponto em comum - que é a reunião de um pessoal de uma geração lá de trás, com músicos de 50, 60, 70 anos. Isso tem a ver", diz. "Mas a minha posição é essencialmente diferente da do Ry Cooder. Eu sou idealizador, diretor artístico e compositor do projeto. Eu não fui lá simplesmente para gravar um repertório que já existia." A gravação do disco é um capítulo à parte. Produzido por Siba em parceria com Beto Villares, o álbum foi gravado no Engenho Lagoa Dantas, em Nazaré. "A gente levou o estúdio móvel para a área rural e 80% dos sopros e da percussão foram gravados ao vivo", explica Siba. Por isso, as cigarras, os cachorros, a brisa. Toda essa atmosfera que o disco absorve será levada ao palco do KVA, hoje à noite. Siba, com Fuloresta do Samba, hoje, às 22h, no KVA (R. Cardeal Arcoverde, 2.958, tel. 3816-8000). R$ 16.

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