PUBLICIDADE

Novo disco de Ivan Lins homenageia Tom Jobim

Por Agencia Estado
Atualização:

O novo disco de Ivan Lins tem o nome de ?Jobiniando. Praticando Jobim. Fazendo como Jobim?. É um disco de bossa nova, em que 10 das 15 músicas são de Tom. A produção é de Roberto Menescal, outro bossa-novista de primeiríssima hora. Ivan, entretanto, é da geração pós-bossa nova. Surgiu quando a bossa já não era movimento, mas música consolidada, item no cardápio universal de música de qualidade. Em 1969, quando Elis Regina gravou o primeiro grande sucesso de Ivan, o samba Madalena (com letra de Ronaldo Monteiro de Souza), nem Tom Jobim fazia mais bossa nova. A bossa já existia, pronto. A música brasileira buscava outros horizontes - de um lado, a turma do pop namorava o mercado; de outro, o movimento liderado por universitários fazia música de protesto e denúncia social e política. No primeiro momento, Ivan não estava nem numa turma nem noutra. Chegou a ser tachado de "alienado" - e não havia ofensa mais grave, naqueles tempos negros de censura e repressão política -, ao tirar segundo lugar no festival internacional da canção de 1970 com uma canção intitulada ?O Amor É Meu País? (ainda com Ronaldo Monteiro de Souza). Birra passou rápido É que aquele país não podia ser o país de ninguém, pensava a turma que se opunha ao regime militar. Mas a birra contra Ivan passou rápido. Nos anos 70, ele inaugurou nova parceria - com Vítor Martins, parceiro até hoje - e lançou músicas que se enquadravam na definição daquele segundo grupo mencionado acima: ?Abre Alas?, ?Somos Todos Iguais Essa Noite?, mais adiante ?Novo Tempo?, ?Daquilo Que Eu Sei? e outras que viraram hinos. Ivan tornou-se autor preferido de cantoras como Elis Regina e Nana Caymmi. Tornou-se o compositor brasileiro mais conhecido no exterior - depois de Tom Jobim. Virou referência entre os músicos de jazz. Estrelas do jazz e do pop reuniram-se, no ano passado, para lançar um disco em tributo a ele. Homenagem que nem mesmo Tom recebeu em vida. Mas Ivan Lins nunca foi um músico de bossa nova. Pouquíssimas de suas canções lentas têm a batida da bossa. Por que, então, esse ?Jobiniando? (lançamento Abril Music)? "Bom, quando eu comecei a tocar piano, tocava bossa", diz o compositor. "Depois, comecei a compor e cantar e virei o contrário da bossa", admite. "Uma de minhas grandes influências era o norte-americano Jimmy Webb - mais tarde, li uma entrevista dele dizendo que sua grande influência era Tom Jobim." Um contágio interposto? Não, nem tanto. Só um dado a mais na receita. "Quando comecei a fazer o disco, pensava na música do Rio", diz Ivan. "E quando se fala em música do Rio, a de Tom prevalece, pela quantidade e pela qualidade", entende. "Quando eu e meus companheiros músicos fazíamos shows, nos anos 60, a proporção era assim: nove músicas de Tom, uma de Carlos Lyra; oito músicas de Tom, duas de Roberto Menescal." No entanto, não foi Tom sua primeira influência brasileira: "Foi Carlos Lyra", conta Ivan. "Mas meu cunhado era colega de faculdade de arquitetura de Paulo Jobim, filho do Tom; pegava com ele as partituras originais e levava para mim", lembra. "Eu chegava para tocar com as harmonias exatas do Tom, enquanto os outros tinham de se esforçar para descobrir os acordes certos", ri. "Eu tirava a maior banca e todos ficavam admirados com minha capacidade", brinca. Mas a idéia do novo disco não partiu do músico. "A gravadora me propôs um disco de bossa nova, para o mercado exterior, cantado em inglês", recorda Ivan. "Não era nem para ser lançado aqui. Eu tinha um projeto de bossa nova mais ou menos desenvolvido e chamei o Roberto Menescal para conversarmos a respeito", diz. Martinho da Vila Na hora de montar o repertório, de novo a presença majoritária de Jobim. Ivan mostrou para Menescal suas composições "jobinianas" - coisas em ritmo de bossa nova. Menescal achou que seria o caso de fazer um disco em homenagem ao maestro. Nesse momento, tocou o telefone. Era Martinho da Vila, que tinha encomendado - e recebido - duas músicas de Ivan. "Fiz a letra para aquela segunda", disse Martinho. "Escolhi o título: Jobiniando." Ivan levou um susto: "Como é que você adivinhou que eu vou fazer um disco com músicas do Tom?" Martinho não tinha adivinhado nada: "Ficou Jobiniando porque é a cara do Tom" - e passou a letra, por fax: "Criei uns acordes jobinianos/ Saudoso, ao piano/ E fui lentamente harmonizando..." Restava comunicar à gravadora que o disco sairia no Brasil. E com equação invertida: Jobiniando está chegando hoje às lojas brasileiras e só em janeiro vai para Estados Unidos, Europa e Japão. Sorte nossa. De Tom, o disco traz ?Vivo Sonhando? e ?Triste?, na primeira faixa; ?Inútil Paisagem? (letra de Aluísio de Oliveira), ?Samba do Avião?, ?Bonita? (letra de Ray Gilbert), ?Este Seu Olhar? e ?Promessas? (na mesma faixa), ?Caminhos Cruzados?, ?Eu Sei Que Vou te Amar? (com Vinícius de Morais) e ?Dindi? (com Aluísio de Oliveira). No capítulo "jobiniando", o das composições jobinianas, estão ?Acaso? (Ivan Lins e Abel Silva), ?Soberana Rosa? (Ivan com Chico César e Vítor Martins), ?Rio de Maio? (Ivan e Celso Viáfora) e a parceria com Martinho que dá título ao trabalho. Como complemento, ?Time after Time?, de Jule Slyne e ?Sunny Cahn?, e uma versão em inglês, feita por Brenda Russel, em cores de pop contemporâneo, de ?Soberana Rosa?, que virou ?She Walks This Earth?. "Time after Time é do repertório de Frank Sinatra, a quem Tom adorava", diz Ivan. "Eu sempre achei que um dia o Tom gravaria essa canção. Acho que só não gravou porque não teve tempo", explica. O tratamento de tantas canções clássicas, tantas vezes regravadas, em línguas diferentes, é ao mesmo tempo fiel ao espírito bossa-novista e contemporâneo. A fidelidade está no pulso de Roberto Menescal, a mais fiel encarnação do violão da bossa nova (certo, há o João Gilberto, mas João é uma outra história: seu violão existe com sua voz, um todo, uma estética fechada). A contemporaneidade vem na acentuação rítmica mais marcada, nos acordes invertidos de Ivan ("Sou eu lendo Tom", ele diz), na dinâmica que conduz os arranjos. Nada de new bossa nova Nada de new bossa. "É música carioca moderna", diz o carioca Ivan, para quem ninguém retratou tão bem o Rio quanto Tom. Os arranjos comportam citações - de Mancini, que influenciou as gerações de Tom e Luiz Eça, Ivan e Dori Caymmi, e que foi influenciado por eles, de Marvin Gaye, de outras músicas de Ivan; o disco é uma delícia para quem gosta de procurar pérolas escondidas. "Cabem as citações, cabem as pequenas mudanças nos arranjos porque a bossa nova é minimalista, é cheia de espaços - e você põe nos espaços o que você quiser", analisa Ivan. "Para quem gosta de criar, é uma maravilha", maravilha-se. Seja como for, nada em ?Jobiniando? é de graça. Por exemplo, ?Soberana Rosa?, de Ivan, é inspirada em ?Matita Perê?, de Tom. Foi composta em 1994, para o disco ?Anjo de Mim?, mas a letra não ficou pronta em tempo - é uma letra rosiana, com neologismos e citação explícita de Sagarana. As cordas em ?Soberana Rosa? soam como o Henry Mancini de Hatari! e Mr. Lucky, mas com citação de ?Águas de Março? - música do disco Matita Perê. ?Águas de Março?, por seu turno, representa o lado mineiro - rosiano - de Tom Jobim. O que fecha um ciclo. E abre um universo de belezas e belezas.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.