Novo CD de Bruce Springsteen já nasce um clássico

The Rising, seu primeiro álbum de inéditas em sete anos, é definido pela crítica como o primeiro trabalho pop a responder aos ataques de 11 de setembro

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Por Agencia Estado
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Um imponente condomínio ergue-se inacabado. O cinema na avenida principal, mesmo tendo debandado para o ramo pornô, encontra-se fechado, assim como a casa de boliche. As ruas do centro são quase desertas. Até a praia, banhada pelo Atlântico e outrora uma das preferidas de Judy Garland, parece triste em pleno verão escaldante. Por todos os lados é grande a devastação da cidade balneária de Asbury Park, em New Jersey, uma ex-famosa colônia de férias fundada no fim do século 19 e ornada por hotéis de luxo e cassinos, antes de conflitos raciais na década de 70 ter jogado areia em sua principal fonte econômica, o turismo. Hoje, essa cidade, que fica a 90 minutos do centro de Nova York, só parece ter um amigo: o roqueiro Bruce Springsteen, de 52 anos, que cresceu nos arredores, musicou a desesperança do lugar e até usou o nome do local como título do primeiro álbum de sua carreira, gravado em 1973. Para promover o lançamento de seu novo CD, The Rising, que chegou às lojas americanas ontem, Springsteen escolheu Asbury Park para ser palco de um show especial. No começo da tarde da última sexta, o Boss, o apelido do músico, fez um show-ensaio aberto para familiares e amigos, a população local e a imprensa estrangeira. Corvette - O Boss chegou ao Convention Hall, um ginásio esportivo decadente e de porte médio, dirigindo seu próprio carro: um Corvette antigo de cor azul metálico. Vestia o corriqueiro: camisa preta aberta no peito - e deixando a mostra seu medalhão de São Cristóvão, o padroeiro dos viajantes -, black jeans e bota de cano alto, com o cadarço desamarrado em um dos pés. Foi uma apresentação visceral de Springsteen, que durou mais de duas horas (sem interrupção), com direito a bis: sete no total. The Rising, que está sendo aclamado pela crítica americana como um clássico - um álbum que representa a recuperação da voz de um artista (assim como os exemplos recentes de Bob Dylan e da banda U2), é o primeiro trabalho de composições inéditas do músico em sete anos e também a primeira vez, desde 1984, que Springsteen retoma sua parceria com sua famosa E Street Band, formada por oito músicos, incluindo sua mulher, a backing vocal Patti Scialfa, com quem o músico tem três filhos. Apesar da empolgação de Springsteen ao apresentar novas composições no show de sexta, The Rising é um álbum pontilhado de canções para debelar recentes feridas. De suas 15 faixas, 13 foram compostas nos dias e semanas seguintes a 11 de setembro, a data dos ataques terroristas que destruíram as torres gêmeas do World Trade Center. "A atmosfera naqueles dias foi de muita incerteza e ansiedade e preocupação", explicou Springsteen em uma entrevista ao jornal Los Angeles Times. "Acredito que ninguém jamais esquecerá isso, particularmente em New Jersey: você passava em frente da igreja local e dia após dia era um novo funeral", recorda o músico que mora com sua família numa fazenda em Monmouth, um condado de New Jersey que perdeu 158 pessoas na tragédia do WTC. Uma das melhores canções de The Rising é Empty Sky (Céu Vazio), na qual Springsteen descreve o que sentiu nas primeiras horas da destruição de 11 de setembro: "Acordei esta manhã/ mal podia respirar/ apenas uma impressão vazia/ na cama onde nós costumávamos estar/ eu quero um beijo de seus lábios/ eu quero olho por olho/ acordei esta manhã para um céu vazio." Já a faixa-título é narrada por um homem num estado pós-morte, que tenta, a todo custo, um contato físico com as pessoas que deixou para trás. Há também a canção Worlds Apart, uma ode às diferenças culturais, a partir do romance de um soldado americano com uma muçulmana (possivelmente uma afegã). O coro desta última é no dialeto islâmico qawwali e interpretada pelo músico paquistanês Asif Ali Khan. O CD fecha com City of the Ruins, a triste canção que Springsteen escolheu para se apresentar na maratona televisiva organizada por celebridades de Hollywood como George Clooney, Julia Roberts e Robert De Niro, em 21 de setembro. Na verdade, City of the Ruins foi composta para falar da devastação social da cidade de Asbury Park e ainda se encontrava inédita. Segundo a revista Time, que estampa Springsteen na capa de sua atual edição, The Rising "é o primeiro significante trabalho da arte pop a responder aos eventos de 11 de setembro". Sonoridade - Apesar de uma natureza sombria, The Rising não é um disco deprê. Longe disso. Sua faixa-título está mais para o som do U2 do que qualquer outro trabalho da carreira do Boss. É que Springsteen, depois de anos confiando sua evolução musical apenas ao manager Jon Landau e ao produtor Chuck Plotkin, decidiu ouvir uma segunda opinião e contratou o produtor Brendan O´Brien, famoso por seu trabalho com as bandas Pearl Jam, Rage Against the Machine e Korn. A E Street Band também retifica tanta ausência dos discos do Boss, com um show de sonoridade, que inclui o uso (talvez até excessivo) de violino, backing vocals e até uma gaita de foles (um momento Sting, rapidamente corrigido). Depois do álbum Born in the U.S.A., de 84, a E Street Band só voltou a reencontrar Springsteen em estúdio em 1995, para algumas faixas-bônus do CD-coletânea do músico, e também numa série de shows há dois anos. Durante esse hiato, o guitarrista Steve van Zandt virou celebridade nacional ao participar como ator da cultuada série de TV A Família Soprano (no papel do mafioso Silvio Dante), e o bateirista Max Weinberg seguiu atrás com um posto cativo de diretor musical de um talk show noturno. Springsteen e a E Street Band iniciam no dia 7 (na cidade East Rutherford, em New Jersey) uma intensiva turnê que passará por 46 cidades americanas (Nova York será no dia 12) e também algumas capitais européias (de 14 a 27 de outubro). A assessoria americana da Columbia Records (selo da Sony Music) não soube dizer se existe uma intenção de Boss em estender a tour The Rising também ao Brasil e outros países da América Latina.

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