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Nora Ney, uma rainha pioneira e engajada

Cantora que causou espanto com sua voz grave, sussurrada, ousou ao rejeitar nos anos 50 o casamento convencional e ao fazer o primeiro show de um artista brasileiro na extinta União Soviética

Por Agencia Estado
Atualização:

A cantora Nora Ney, uma das rainhas do rádio, morreu hoje de manhã no Rio, aos 81 anos, de falência múltipla dos órgãos. Hipertensa e fumante havia muitos anos, ela sofria de enfisema pulmonar e precisava de aparelhos para respirar. O marido, o cantor Jorge Goulart, de 77 anos, companheiro de Nora desde 1951, esteve ao seu lado até o fim. Goulart contou que "a morte foi um alívio", já que Nora vinha sofrendo com o longo período de internação no Hospital Samaritano, onde estava desde agosto. "Ela morreu sorrindo", contou. O enterro está marcado para as 16h30, no cemitério Jardim da Saudade, em Sulacap, zona oeste da cidade. Nora e Jorge se conheceram em 1951. Ambos eram separados - ela tinha dois filhos e ele, um. Foram então morar juntos - rejeitavam o casamento convencional e se diziam "companheiros". Só uniram-se oficialmente em 1992, para fins burocráticos. O casal Nora e Jorge era afinado não só na música, mas também no engajamento político. Declararam-se comunistas e ousaram ao ser os primeiros brasileiros a fazer shows na União Soviética. Juntos, percorreram ainda a China e países do leste europeu. Em 1964, quando do golpe militar, ambos acabaram cassados da Rádio Nacional por causa de suas posições. Passaram os primeiros oitos anos da ditadura exilados. À época do encontro com Goulart, a artista, que desde os anos 40 era integrante do fã-clube Sinatra-Farney, começava a carreira. Cantava na Rádio Nacional e fazia shows em boates de Copacabana e no Copacabana Palace. Era o auge do samba-canção e das músicas de fossa, estilo do qual Nora se tornou uma das principais representantes. Ela resistiu a cantar em português - achava que sua voz não combinava. Mas acabou cedendo e gravou, ainda na Tupi, Dorival Caymmi e Ary Barroso. Ainda na década de 50, foi Nora Ney quem lançou o compositor Antônio Maria, de quem gravou Menino Grande, em seu primeiro disco, em 1952 - que lhe rendeu o primeiro disco de ouro da história da música brasileira. Também foi de Maria seu maior sucesso, Ninguém me ama, parceria dele com Fernando Lobo, gravado ainda em 52. Ela foi também uma das primeiras a cantar composições de Tom Jobim, que era ensaiador da gravadora Continental quando ela era uma das contratadas. Especialistas em música brasileira consideram que Nora criou um estilo ao interpretar as músicas de forma calma, como que "dizendo" a letra, sem empostar a voz - o mesmo que depois seria adotado e eternizado por João Gilberto. "A voz grave, a maneira sussurada de cantar foi um espanto na época dela", diz o pesquisador musical Ricardo Cravo Albim, que está preparando um espetáculo no Teatro João Caetano para arrecadar fundos para ajudar a pagar as dívidas de Jorge Goulart. O show deverá reunir cantoras do rádio.

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