Ney Matogrosso ecoa protestos de rua e privilegia nova geração em disco

Oito das 14 faixas do novo 'Atento aos Sinais' são de jovens compositores

PUBLICIDADE

Por Roberta Pennafort
Atualização:

Ney Matogrosso começou a selecionar o repertório de Atento aos Sinais quatro anos atrás, muito antes de bater nas ruas a onda de protestos de jovens. Atual, o CD é aberto com duas músicas que reverberam as manifestações populares.

PUBLICIDADE

“Todo mundo tem direito à vida/ e todo mundo tem direito igual”, apregoa Rua da Passagem, de Arnaldo Antunes e Lenine. “Fogo, fogo, fogo, água/ incêndio nas ruas/ bomba, bomba, bomba, praça/ vielas, ratos, figuras nuas”, descreve Incêndio, de Pedro Luís.

“Quando vi o que aconteceu nas ruas, percebi que tinha um diálogo. Aquelas tais atenas que dizem que os artistas têm estão ligadas. Não prevejo o futuro, mas estou atento”, diz Ney, que acompanhou com interesse o noticiário.

“Os Black Blocs não vão resolver o capitalismo, ele vai se esvair por si próprio, assim como aconteceu com o comunismo. Tem que acontecer alguma coisa. A gente está num momento de transição. Todos estão insatisfeitos. As pessoas têm o direito de expor seus sentimentos.” Aos 72 anos, o intérprete está alerta para a produção da nova geração da música. Oito das 14 faixas do CD são de jovens compositores. Em seu quarto, ele tem pilhas de material mandado por autores que sonham ser gravados por uma das vozes mais prestigiosas da MPB. Mas ele não ficou só nisso.

Em viagem a Maceió, leu num jornal sobre o trabalho do rapper Vitor Pirralho e pediu o CD à produtora. Ficou com Tupi Fusão (Vitor/Dinho Zampier/Pedro Ivo Euzébio/André Meira), uma aula de história do Brasil sob a narrativa indígena. Do trio paulistano Zabomba, quis a inspirada Pronomes.

Da banda carioca Tono, ouviu um CD disponível na internet e escolheu a derramada Não Consigo e o divertido Samba do BlackBerry. No aclamado CD Nó na Orelha, de Criolo, encontrou Freguês da Meia-Noite.

“Se você não correr atrás, não chega onde quer. Não sou de esperar por nada”, justifica Ney, que vem testando essas músicas no show com que viaja desde fevereiro. Ele preferiu chegar ao estúdio com as interpretações mais maduras.

Publicidade

De tonalidade pop e rock, o CD tem um Paulinho da Viola nada óbvio, Roendo as Unhas, duas composições de Itamar Assumpção, Noite Torta e Isso Não Vai Ficar Assim, e A Ilusão da Casa, de Vitor Ramil.

Um dos shows do ano, Atento aos Sinais poderia ter um caráter retrospectivo, já que neste ano ele completou 40 anos de carreira, iniciada com o lendário álbum dos Secos & Molhados que trazia O Vira, Sangue Latino e Rosa de Hiroshima. Só que Ney rechaça autoelogios. Mais ainda a ideia de incluir sucessos com a finalidade de afagar seu público. “Não acho que seja obrigado a cantar certas músicas só para agradar. Bis, por exemplo, é uma coisa recente na minha vida”.

Ele se vê no sujeito andrógino de cara pintada que chocou tanto quanto arrebatou o Brasil à frente do grupo – e que se mantém magnético. “As novas gerações chegam a mim por causa daquele camarada do Secos & Molhados. Ali eu era agressivo, porque precisava ser. Eu não sabia estar no palco e ser aplaudido. Agora sou mais receptivo, quero acariciar a plateia, e não agredi-la. Não fico analisando essa história de 40 anos. Vou andar até onde for capaz.”

O resgate da história do grupo no livro Meteórico Fenômeno - Memórias de um ex-Secos & Molhados criou celeuma. O livro de Gerson Conrad não foi autorizado pelo letrista João Ricardo, e sua imagem foi apagada da publicação. Ney não se incomodou – é contra a necessidade de autorização prévia de biografados. “Não tenho nada a esconder, não estou nem aí. Sou a favor das liberdades totais. Se alguém for escrever um livro sobre mim, não terá novidade.” A ressalva é quanto à proteção judicial no caso de calúnia. Nos anos 80, processou a Revista Amiga e a TV Manchete, por afirmarem que ele estava com Aids, e ganhou. “Não dá para só defender a liberdade de expressão do outro e a Justiça não te defender.”

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.