Nelson Rodrigues vai à ópera

Versão para a peça Anjo Negro abre temporada hoje. É a primeira adaptação de uma obra do dramaturgo para a ópera

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

Nelson Rodrigues ganha hoje sua primeira adaptação para a ópera. A escolhida foi a peça Anjo Negro, de 1947, sugestão do diretor André Heller para o compositor carioca João Guilherme Ripper. "No começo fiquei com receio de enfrentar um trabalho monumental como este, mas com o tempo a profunda poesia do texto me fez abraçar o projeto", diz o compositor. O resultado de oito meses de trabalho poderá ser conferido a partir de hoje no Centro Cultural Banco do Brasil, em montagem assinada por Heller e com direção musical de Abel Rocha. No elenco, o barítono Sebastião Teixeira, a meio-soprano Regina Elena Mesquita, a soprano Andrea Ferreira e o tenor Rubens Medina, entre outros. Anjo Negro estreou em 1947. Tem como tema principal o preconceito racial, narra a história do casal Ismael e Virgínia, ele negro, ela branca, e trata de questões como o desejo, o ódio, a vingança. "Logo no início, pensei em Vestido de Noiva, mas não via como a música poderia acrescentar alguma coisa à peça. Surgiu, então, a idéia de usar o Anjo Negro, que é fantástica e tem um jeito de ser que permitiria e daria sentido a uma adaptação operística", conta André Heller. "No Brasil, há uma tradição muito forte de diretores de teatro que trabalham com a ópera. A idéia aqui era fazer o caminho contrário, tentar achar um modo da ópera contribuir com o universo teatral do País." O que assustou Ripper, autor de Domitila - ópera premiada pela Associação Paulista de Críticos de Arte há dois anos -, foi, em primeiro lugar, o trabalho delicado e monumental de mexer com a peça de Nelson Rodrigues, o mesmo que fez com que Villani-Cortes recusasse o projeto; mais importante, no entanto, foi encontrar o tipo de abordagem ideal na preparação de uma eventual ópera sobre ela. "Eu não teria como trabalhar dentro de uma abordagem naturalista, é muita loucura junta. Mas então percebi o caráter mítico de Anjo Negro, que está carregada de sonho. Ela é a união entre mitologia e uma questão social aguda, que me revelou Nelson Rodrigues como um poeta trágico, com um texto que é poético nas metáforas, nas hipérboles, nas conotações, nas denotações." Música Nova - Para quem previa o fim da ópera (são muitos, em campo há muito tempo), Anjo Negro é como uma resposta. É ópera brasileira, com cantores brasileiros. "Estou acostumado a trabalhar com a música nova, como fiz em Domitila, por exemplo, também com o Ripper, e em outros projetos com compositores como Villani-Cortes. A análise do libreto, na hora de criar a montagem, não muda muito. Mas é claro que trabalhar com uma obra nova, que está sendo composta à medida que os ensaios vão se desenrolando, dá uma certa liberdade. Por outro lado, é fascinante ver como a música que vai chegando para nós muitas vezes nos obriga a repensar o modo como vemos determinada cena, reforçando a sua importância na hora de condução da narrativa", diz Heller. Anjo Negro. Texto de Nelson Rodrigues. Música de João Guilherme Ripper. Concepção e direção geral André Heller. Direção musical Abel Rocha. De quinta a domingo, às 19h30. R$ 15,00. Centro Cultural Banco do Brasil. Rua Álvares Penteado, 112, tel. 3113-3651. Até 3/8.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.