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Nelson Freire faz apresentação única em SP

Por Agencia Estado
Atualização:

No momento da carreira em que se preocupa com a questão social do País, o pianista brasileiro radicado na França Nélson Freire faz sua única apresentação deste ano em São Paulo no mês que vem. No concerto, programado para o dia 8 na Sala São Paulo, vai interpretar um programa que passa por Bach, Chopin e por compositores brasileiros como Camargo Guarnieri, Villa-Lobos e Barroso Neto. A renda obtida com a apresentação será entregue à Associação para Crianças e Adolescentes com Tumor Cerebral (Tucca), de São Paulo. Concertos beneficentes, aliás, têm se tornado comuns em suas vindas ao País. Há algumas semanas, ele fez apresentações de caráter filantrópico em Poços de Caldas e em Porto Alegre. E, ainda neste ano, pretende apresentar-se com a mesma finalidade de ajudar o próximo em Viçosa, Juiz de Fora e Santos. "Quero fazer concertos que me dêem prazer e possam, de alguma forma, colaborar com a complicada situação política, econômica e social pela qual passa o Brasil", diz Freire, em entrevista. Voltar ao País, para Freire, traduz-se em oportunidade para distanciar-se da correria imposta por sua agenda de concertos. "É sempre uma emoção: é o meu país e o lugar onde reponho minhas energias." Mas suas emoções, como ele faz questão de ressaltar, podem ser boas ou ruins. Mesmo morando no exterior, o pianista sempre foi um crítico bastante severo em relação às condições da música no Brasil. Sempre combateu a má qualidade dos pianos e a péssima estrutura de trabalho na qual convivem músicos e orquestras. E também analisa questão que vão além do campo artístico. "Ultimamente, ao vir para cá, tenho ficado muito triste com a violência, a corrupção e a injustiça social." Aos 55 anos, Freire está, atualmente dando início a sua temporada na Europa - a apresentação em São Paulo será feita num intervalo da programação no exterior - e pensando sobre sua volta aos estúdios. Ele adianta que tem a intenção de gravar um disco com música brasileira e limita-se a dizer que há propostas e entendimentos nesse sentido, sem dar mais detalhes. "Há algumas peças que considero pequenas jóias mas que, infelizmente, hoje não têm espaço nos programas dos recitais que faço ao redor do mundo". Enquanto os projetos não se concretizam, o público brasileiro já tem uma nova oportunidade de conferir, em gravação, o talento de um dos maiores pianistas brasileiros em atividade. Foi lançado nesta semana o primeiro de uma série de quatro discos intitulada Nelson Freire en Concert, compostos por gravações feitas por rádios francesas e alemãs de recitais do artista realizados nas décadas de 70, 80 e 90. Há também o projeto de um documentário sobre sua trajetória, que seria filmado no Brasil, na França e na Bélgica pelo documentarista João Moreira Salles. Como muitos outros colegas de profissão, Freire começou seus estudos bem cedo, quando tinha apenas 4 anos. Diante do pequeno talento sua família, que residia em Boa Esperança, no interior de Minas, viu-se obrigada a mudar para Varginha, onde havia um professor de piano uruguaio. Logo também Varginha ficou pequena para Freire. Sua família, então, mudou para o Rio, onde o pianista, aos 5 anos, passou a estudar com Lúcia Branco e Nise Obino, que o prepararam para uma série de apresentações individuais e com orquestras. "Se sou o que sou hoje devo à minha mãe e a Nise Obino, que costumava dizer: ´Você é uma criança privilegiada, bem dotada por Deus, bem conduzido pelos pais e, fora a modéstia que deveria ter, bem orientado pelos professores´." "E ela tinha razão." Mas se o início precoce encontra paralelo na carreira de outros colegas, Freire não teve, desde cedo, que suportar a pressão que costuma recair sobre a cabeça de jovens artistas. "Apesar de eu ter sido um menino prodígio, com uma sensibilidade diferente da das outras crianças, meus pais tiveram o cuidado e a inteligência de me educar segundo os padrões normais: ia ao colégio, brincava com outras crianças e nunca estudei mais que duas horas por dia, com direito a fim de semana sem estudo." Sobre suas professoras, Nélson não poupa elogios. "De d. Lúcia Branco obtive uma educação privilegiada e de Nise Obino, além da música, aprendi todo o aspecto psicológico e espiritual de que um artista tanto necessita". A grande lição, no entanto, veio com o tempo. "Na infância, Nise me ensinou a cuidar da postura como pianista; depois, no decorrer da vida, aprendi que o mais importante é saber se ouvir", diz. E completa: "Muitos artistas tentam compensar suas interpretações com gestos, mas isso é uma ilusão o importante é aprender a se ouvir." Sua carreira não parou mais desde então e Freire foi conquistando a crítica. Na década de 80, foi considerado pela revista Newsweek como um dos quatro maiores pianistas da atualidade, ao lado de Pollini, Brendel e Marta Argerich. Em 1970, a Time já havia publicado crítica que comparava a técnica de Freire à "heróica perfeição de Horowitz". Além disso, pianistas de renome, como Arthur Rubinstein, lançaram elogios a sua atuação. Certa vez, ao ouvi-lo tocar o Noturno, de Chopin, Rubinstein dissera: "Você faz os temas como eu." No entanto, Freire não acredita que esteja num momento da carreira em que possa dizer que já fez tudo. "Desde pequenininho havia em mim uma imensa vontade, um interesse inesgotável de estar sempre preparando alguma obra nova." Ao longo dos anos, ao mesmo tempo em que se especializava no repertório tradicional, Freire continuou a estudar peças individuais. "Havia as obras que preparava para os concertos e outras que preparava só para mim e é claro que uma parte desse repertório acabou indo para o palco." E as outras? "Estão à espera da hora certa, do momento em que eu sentir que estão bem incorporadas musical e pianisticamente: em vez de lutar, prefiro deixá-las de molho até a hora certa." Essa medida revelou-se, para ele, bastante interessante. "Tive a grata surpresa de, depois de esperar por um tempo antes de interpretar uma peça, ver que as dificuldades foram superadas: enfim, detalhes aparentemente sem importância, mas, na verdade, fundamentais, como a respiração, um dedilhado, uma atitude, enfim, uma série de coisas que vem à tona após o famoso ´banho-maria´." A relação de Freire com a música é bastante ativa. "A música tem sido uma constante em minha vida, desde que me dou como gente." E, em todos os momentos, o pianista afirma sentir sua presença como algo vivo. "Sinto a música em momentos de alegria, tristeza, ou, simplesmente, em momentos de coisa alguma: não imagino música sem vida, o que é algo muito contagiante." Freire revela, no entanto, que não gosta muito de falar de música. "Prefiro ouvir, de preferência no rádio, sem saber quem está tocando nem o que vou ouvir", confessa. E reclama. "Na França, que é o país do falatório, eles adoram interromper uma transmissão para tecer comentários, criticar, elogiar: não existe nada mais irritante." E corrige a si mesmo: "Existe sim: alguém que fica assobiando junto..."

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