'Nelson Freire era o pianista em melhor forma no mundo', diz João Carlos Martins

Martins fala sobre amigo, que morreu na madrugada desta segunda-feira, dia 1º, aos 77 anos

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Por Matheus Mans
Atualização:

*Depoimento de João Carlos Martins, músico e amigo de Nelson Freire.

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"O Nelson Freire sempre foi um grande amigo meu, seja em Nova York, em Paris… Mas isso não interessa. O que interessa é que, sem dúvida alguma, junto com a Martha Argerich e o Arthur Moreira Lima, o Nelson talvez fosse o pianista em melhor forma no mundo inteiro. Considero lamentável que o Brasil tenha perdido um artista desse quilate, que eu considerava o melhor, musical e tecnicamente falando. Ele vai ser lembrado pela arte dele.

Ele estudava muito piano lá em casa, em Nova York. Ele fazia questão de ir nos meus concertos, eu nos concertos dele. A gente fazia brincadeiras com escalas cromáticas. Era um cara do bem, nunca vi ele falar alguma coisa negativa sobre alguém.

O maestro João Carlos Martins Foto: Karim Kahn

Uma vez, dei um concerto em Porto Alegre um dia, ele no dia seguinte. Eu disse pra a imprensa que o Nelson Freire era o pianista em melhor forma na atualidade. Ele disse no outro dia que eu era muito exagerado. Era uma pessoa muito quieta, com humor inglês, com senso de humor cool.

Nos últimos oito anos, nos vimos muito pouco. Mas a gente tinha uma amizade muito forte. Cada um seguiu seu caminho, eu na regência, ele na Europa.

Até hoje lembro de algumas histórias engraçadas com ele. O Arthur Moreira Lima morava em Moscou. Naquela época, nos anos 1960, ele viu que um pianista brasileiro tinha vencido um prêmio em Portugal. Ele logo mandou um telegrama por Nelson dando parabéns e dizendo que, se não fosse ele o vencedor do tal prêmio, que ele pagasse a taxa e enviasse esse telegrama pra mim.

O pianista Nelson Freire em concerto com Philharmonia Orchestra Foto: Foto Vitor Salgado

Outra vez, em uma sexta e em um sábado, estava tocando dois recitais no Carnegie Hall. E em um sábado de manhã, me falaram que o Nelson tinha falecido em um acidente de ônibus. De noite, entro no Carnegie Hall e dedico o show à memória do meu amigo Nelson Freire, que tinha morrido. Só depois fui descobrir que ele não tinha morrido e que tinha sido o único sobrevivente. Até os pais dele morreram no acidente. Foi em 1966 ou 1967.

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Com exceção desses últimos oito anos, com esse negócio da orquestra e viajando o Brasil inteiro, fomos muito amigos. Mas, pra finalizar, o que eu posso dizer é que Nelson Freire era o pianista em melhor forma do mundo inteiro. E vai fazer muita falta".

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