Nas lojas, o último CD de Harrison

Chega às lojas na segunda-feira o disco Brainwashed, gravado nos últimos anos de vida do ex-Beatle e que traz canções pungentes, belas, voltadas para a divindade

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Por Agencia Estado
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Carregado de diálogos íntimos com Deus e lamentos pungentes, chega às lojas na segunda-feira o disco Brainwashed (EMI), aguardado álbum póstumo do guitarrista dos Beatles George Harrison (1943-2001). As músicas do disco foram produzidas por Harrison entre os anos de 1997 e 2001, quando um câncer o matou. Brainwashed traz 11 composições inéditas do artista, cujo último disco tinha sido lançado em 1987. A 12.ª faixa é uma canção tradicional, Between The Devil and The Deep Blue Sea (Arlen-Koehler), que traz o pianista Jools Holland e sua banda (Joe Brown na guitarra acústica e Herbie Flowers no baixo e na tuba) acompanhando o ex-beatle. Essa música é um presente dos deuses, se permitem a injução: a gravação de Harrison rivaliza em delícia com a da orquestra de Cab Calloway, da década de 30. Há canções cortantes, como Pisces Fish (I´m a Pisces fish and the riv er runs through my soul/ Sou um peixe de Peixes e o rio corre através da minha alma). Harrison era pisciano, nasceu no dia 25 de fevereiro de 1943. A voz aqui sai rasgada, lembrando um pouco o registro vocal de um velho parceiro, John Lennon. Há no CD, principalmente, apelos desesperados, com Harrison dizendo buscar um sentido para a existência - como era de se esperar de um disco feito nas circunstâncias em que esse foi feito. Ele se dirige muitas vezes a Deus, como em Looking for my Life (Oh Lord, won´t you listen to me now/Oh, Senhor, não queres me ouvir agora), Além de cantar, Harrison tocou guitarras elétricas e acústicas no disco, além de ukelelê, baixo e teclados. Jeff Lynne (aquele da Electric Light Orchestra) toca baixo, piano, guitarras e teclados e faz vocais de apoio. Dhani Harrison, o filho do guitarrista, canta e toca também guitarras elétricas e acústicas. Enquanto a guitarrinha de Harrison sussurra suavemente por essas 12 faixas, ouvimos alguns blues e baladas da melhor qualidade. Na instrumental Marwa Blues, ele nos lega um dos grandes trabalhos de guitarra de sua carreira, comedido e ao mesmo tempo emocionante. E há até um country no lote, Any Road, que abre o disco. E um roquinho à moda antiga, Brainwashed - que tem John Lord ao piano, Bikram Ghosh na tabla, Jane Lister na harpa e Sam Brown nos vocais de apoio. A música termina com uma canção indiana incidental, uma ode a Shiva e Khrishna. Tímido, introspectivo, o "Beatle calado" George Harrison não conseguiu suplantar os gênios de John Lennon e Paul McCartney na carreira de composições da banda. Mas foi decisivo na abertura do grupo para os sons do mundo, especialmente a música oriental. Em Brainwashed, seu testamento artístico, ele continua atento às tablas e ragas, mas volta com intensidade às raízes, aos slides do blues, à música americana original, que afinal forjou a mistura inicial dos Beatles. O disco era ansiosamente aguardado pelos fãs de Harrison e dos Beatles. Desde sua morte, já saíram participações do guitarrista nos discos-solo de Jools Holland e Jim Capaldi (tocando guitarra na faixa Anna Julia, do grupo brasileiro Los Hermanos). Harrison produziu grande parte do disco antes de morrer (e conta-se que ainda deixou apontamentos sobre o resultado que queria), mas a direção musical acabou ficando a cargo do filho, Dhani, de 24 anos, e do velho amigo Jeff Lynne (que já tinha trabalhado no disco anterior do guitarrista, Cloud Nine, de 1987). Jeff Lynne, em entrevista coletiva, disse que o disco é menos cru do que Harrison desejaria que fosse. "São grandes canções. Por isso, sinto muito George, mas eu as fiz um pouco mais delicadas do que você queria. Porém, senti que assim lhe fazia Justiça", afirmou o músico. O primeiro single do disco será Stuck Inside A Cloud música com um balanço bem Beatles, um riff inconfundível, vocais harmoniosos, uns versos melancólicos ("Só consigo ouvir a mim mesmo"). A faixa-título do álbum, Brainwashed (quer dizer "lavagem cerebral", em inglês) traz a abordagem mais política do artista. Menciona lavagens cerebrais em capitais, Londres, Bruxelas, Washington, num discurso meio vazio, inconsistente. Mas é a música extra, Between The Devil and The Deep Blue Sea, que garante o astral do disco. Canção do tipo Raindrops Falling on My Head, tem um arranjo que é o ponto alto do álbum, mais alegre e picaresco, reforçado por sua letra marota. Harrison toca ukelelê na faixa, uma espécie de cavaquinho havaiano. "Não quero você/ Mas odeio perder você/ Você me mantém entre o quintos dos infernos e o profundo mar de anil/ E só te perdôo/ Porque não posso esquecer você/ Você me mantém entre o quinto dos infernos e o profundo mar de anil/ Eu devia riscar você da minha lista/ Mas quando você vem bater à minha porta/ O destino dá um clique no meu coração/ E eu vou correndinho querendo mais/ Eu devia odiar você/ Mas eu acho que te amo/ Você me mantém entre o quinto dos infernos e o profundo mar de anil" (versão livre do repórter). Guardadas com cuidado pela viúva do cantor, Olivia Harrison, durante um ano de luto, as canções de Brainwashed fazem justiça ao que foi o guitarrista - um artista sensível, cuja produção foi escassa mas coerente. Um Beatle até o fim, até o depois do fim. Brainwashed - Disco póstumo do guitarrista George Harrison. R$ 30,00. Lançamento segunda-feira.

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