"Não vou passar o pires", diz Cristina Buarque

Depois de dois anos, cantora consegue concretizar seu novo álbum com músicas de Wilson Batista e, embora já tenha material para o próximo, avisa não fazer planos: "está tudo muito difícil"

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Por Agencia Estado
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De acordo com Hermínio Bello de Carvalho, os méritos desse disco são todos seus. Discordo completamente dele. O mérito de uma escolha de repertório está na qualidade de quem fez as músicas. E, praticamente, foi ele (Hermínio), quem correu atrás de tudo. Idéias eu tenho aos montes, mas sem o Hermínio não sairia nada. O meu legislativo é bom, mas o meu executivo é uma porcaria. Hermínio disse também que você tem muito bom gosto para selecionar o seu repertório e é uma das poucas cantoras que tem uma ideologia orientando a suas escolhas. Bom, o Hermínio, como todo mangueirense, é bastante portelense. Eu sempre gravei muitos sambas da Portela. E por isso é que o Hermínio vê em mim esse bom gosto todo. Sem querer alfinetar os mangueirenses, todo mangueirense vive falando bem da Portela. No caso de Wilson Batista, trata-se de um compositor da Mangueira. Por quê gravar Wilson Batista? A idéia foi do Hermínio. A partir da idéia dele é que eu saí catando o repertório, e pela discografia do Wilson eu vi que eu não conhecia muita coisa. Com certeza, aliás, dá para fazer pelo menos mais um disco muito bom, só com as coisas que ficaram fora desse. Essa história, enfim, começou lá atrás, no disco da Mangueira gravado pelo Chico (Buarque). Quando aconteceu o show daquele disco, nós tivemos que fazer uma substituição, porque uma das músicas que eu cantava no disco ia ser cantada, no show, pelo Nelson Sargento. Então eu tinha que escolher um outro samba da Mangueira e escolhi um do Wilson Batista, um samba muito bonito que é Comício em Mangueira. Quando nós estávamos ensaiando para o show, o Hermínio ficou achando que essa música tinha que ter entrado no disco do Chico, que tinha sido produzido por ele. E surgiu a idéia de fazer um disco só com músicas do Wilson Batista. Você tem outros oito discos gravados, na sua carreira, a maioria deles fora de catálogo. Você não pensa em relançá-los? Bom, eu não sou mais dessas gravadoras, e não vou lá passar o pires. Os fonogramas são todos das gravadoras. Até já conversei sobre relançamento, mas foram aquelas conversas de botequim, que em geral não dão em nada. Como foi que você começou a sua carreira? Olha, desde criança eu ouço muito samba, mas não tive nunca grandes planos de ser cantora. Aconteceu tudo meio por acaso, no fundo. Em 1967, eu tinha dezesseis anos, era garota, e o (Paulo) Vanzolini era muito amigo dos meus pais, estava sempre na minha casa, e ouvia muito a gente cantando. E ele me chamou para participar de um disco dele. A minha mãe, que fazia linha-dura e morria de medo de que eu me profissionalizasse, só me deixou fazer aquelas gravações para o Vanzolini porque era ele, enfim, amigo. No ano seguinte eu participei do terceiro disco do Chico (Buarque), cantando Sem Fantasia. E entre isso tudo e o meu primeiro disco, mesmo (Cristina, de 1974), eu fiquei fazendo umas coisinhas aqui e ali, umas participações em discos dos outros. E quando você percebeu que tinha virado uma cantora? Em 74, talvez, quando Quantas Lágrimas fez aquele sucesso todo. Ali, eu fui virando profissional. Aí é que eu caí nessa fria. Você se atribui algum papel de responsabilidade "ideológica", como diz Hermínio, de gravar compositores esquecidos e marginalizados? Olha, eu vou fazendo porque eu gosto, não tenho muitos grandes ideais do tipo "precisamos fazer isso e aquilo". Eu gosto de fazer as coisas para mostrar músicas não conhecidas, isso sim. Se alguém faz sucesso com uma música que eu costumo cantar, que está no meu repertório, eu paro de cantar. Perde a graça. Eu gosto mais é de mostrar as músicas, mesmo. O que eu gostaria de fazer é gravar muito mais do que eu gravo. E por que não grava? Porque não tem como. Esse disco do Wilson Batista, por exemplo, foram dois anos para conseguir fazer. Não tem gravadora, não tem patrocínio. Está tudo muito difícil. Faz muito tempo que eu não gravo um disco de carreira propriamente dito, escolhendo um repertório solto, variado. A coisa está tão preta que eu não tenho plano para nada. Vamos esperar um pouco esse lançamento do Wilson Batista e ver se no ano que vem a gente faz o segundo volume do Noel Rosa, Sem Tostão 2 - A Crise Continua (veja a discografia de Cristina). Além do desinteresse das gravadoras, existem outros obstáculos que lhe impeçam de gravar mais? Eu fiz um show, há um tempo atrás, que eu gostaria muito de ter gravado. Era um show só com músicas para as mulheres cantarem. O problema para gravar aquilo foi outro, foi com as editoras de música, não com as gravadoras. Porque antigamente as músicas eram registradas nessas editoras. O compositor ia lá, precisando de uma grana, registrava um samba novo e ganhava um tanto. Hoje, pela autorização de gravação, eles pedem uma nota preta. Não dá, por exemplo, para fazer um disco independente com essas músicas. Nesse disco do Wilson Batista, quem bancou essa "liberação" foi a gravadora (Jam Music). E foi uma das coisas mais caras do disco. Dependendo do compositor, você paga até R$ 700 por música. E o pior é que na hora de pagar o compositor, pagam uma merreca, pagam muito mal. O papel dessas editoras, a princípio, seria inibir o plágio e divulgar as músicas para que os intérpretes gravem. Só que elas não fazem nada disso. Ficam com aquele material guardadinho, às vezes nem sabem o que têm. A solução de muita gente foi ter a sua própria editora. O Chico (Buarque) tem a sua, o Paulo César (Pinheiro) tem a sua, quer dizer, eles tomam conta das suas músicas. O Mauro Duarte teve problemas para gravar uma música que era dele próprio e a editora não queria liberar. E, desse jeito, o que vai acontecer com o samba? Só dá para dizer que, desse jeito, está difícil.

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