Naná e Gismonti reencontram-se no palco

De volta ao Brasil, e de disco novo, o percussionista Naná Vasconcelos divide o palco do Sesc Vila Mariana com seu antigo parceiro Egberto Gismonti

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Por Agencia Estado
Atualização:

Naná Vasconcelos está no Brasil e, pelo que tudo indica, desta vez é para ficar. Foram quase três décadas vivendo no exterior, entre Estados Unidos e Europa - apesar de pegar, com freqüência, a ponte aérea para o Brasil. "Eu poderia morar em qualquer lugar", diz o cidadão do mundo. Seu coração brasilis, entretanto, indicou a boa e velha terra natal. E a vida por aqui vai muito bem, obrigado. Ele está confortavelmente instalado numa casa na Praia do Janga, em Pernambuco (mesmo mantendo um endereço em Nova York), acaba de lançar seu novo CD, Minha Lôa, e vai se apresentar ao lado do instrumentista Egberto Gismonti amanhã, sábado e domingo, pelo projeto Identidade Brasileira, no Sesc Vila Mariana. Na realidade, trata-se de um reencontro. Ambos já foram parceiros de trabalho durante oito anos e três álbuns: Dança das Cabeças, Sol do Meio-Dia e Duas Vozes. O repertório de Naná Vasconcelos destaca Vamos Chamando Vento, O Corpo, Clementina, entre outras canções. Já Gismonti interpretará Selva Amazônica, Lundu, Dança dos Escravos, Menina e Frevo. Prometem ainda um duo para Águas Luminosas, Mudinho e outras. Paralelo ao show, Naná dedica-se à divulgação do novo trabalho, Minha Lôa, vendido simultaneamente em lojas. Na busca constante pela renovação, o percussionista pernambucano, que já fez de tudo um pouco, como ele mesmo admite, consegue uma musicalidade muito particular ao unir ritmos populares e efeitos tecnológicos. "Esse disco me deu oportunidade de fazer um trabalho meu com música eletrônica", descreve. "Misturei a parte orgânica com sons eletrônicos; o bom é quando você não sabe quem é quem, o que é máquina e o que sou eu", diz o bem-humorado Naná. "Apresenta um aspecto rítmico e, por isso, tem tendência a ser mais popular, ´dançável´, até comercial." Na contramão dos músicos renomados, ele não procurou uma grande gravadora para produzir o novo disco. Deu preferência a um selo recifense, o Fábrica Discos, cujos recursos tecnológicos, segundo ele, não deixam nada a desejar a um estúdio estrangeiro. "Era um desejo meu gravar um CD no Brasil e mais ainda no Recife. Conheci o Fábrica e descobri que ele tem condições tecnológicas e que não fazia diferença se eu o gravasse aqui ou em Nova York." Para acompanhá-lo nos shows, Naná recorreu a uma banda formada apenas por jovens músicos, que nem sequer tinham nascido quando ele saiu do País e foi morar no exterior. "Às vezes, eu paro o ensaio da banda para contar minhas histórias", diz. "É uma maneira de eles entenderem o que eu quero musicalmente, de como eu trabalho, do meu processo de criação. Que eu sou muito ligado ao elemento visual." Minha Lôa faz um passeio pela cultura brasileira ao longo de 12 músicas, grande parte delas escritas pelo próprio músico. Há personagens do imaginário popular, como o curumim e o caboclo de lança. Para quem esse universo é pouco conhecido, um dicionário brasileiro-português seria bem funcional. Ele explica o significado da palavra "Lôa": "São músicas de maracatu, elas sempre exaltam alguma coisa, o rei, a rainha da África. O maracatu é uma ópera popular, uma riqueza do folclore brasileiro. A minha lôa, no caso, é a minha maneira, é o que estou gostando de fazer agora." Como bom brasileiro que é, Naná Vasconcelos não deixou de mencionar o futebol em seu CD. Na primeira faixa do álbum, Futebol, ele manda seu recado a dirigentes, técnicos, jogadores e quem mais precisar ouvir. Trata-se de uma letra antiga e que agora foi incluída neste trabalho, coincidentemente em ano de Copa do Mundo. "Foi escrita em 1986, quando percebi que o futebol brasileiro estava perdendo sua intuição, sua molecagem, começamos a virar europeus." Daquele ano para cá, ele não percebe uma mudança nesse quadro, salvo algumas exceções, como Ronaldinho Gaúcho e Ronaldo, o Fenômeno. Para ele, ambos são legítimos "dançarinos". O trompetista de jazz Don Cherry, que foi muito amigo do percussionista, também recebeu homenagem, na música Don´s Rollerskates. "A convivência com ele foi uma das maiores experiências que eu tive." Com o baixista Collin Walcott, Naná e Cherry formaram o grupo Codona e gravaram três discos. "Don Cherry me marcou muito, por ser uma escola musical ambulante, por sua honestidade e generosidade como artista." DJ Dolores escolheu justamente essa canção para remixá-la no CD. Além do disco, Naná Vasconcelos pretende retomar no Brasil projetos com crianças carentes, mas ainda não tem nada definido. "Trabalhei durante dois anos e meio com crianças, numa clínica psiquiátrica na França, nos anos 70. Daí começou minha experiência." A vontade de se dedicar a projetos pessoais como esse induziu o músico a se afastar da direção do festival de percussão Percpan, no ano passado. "O festival passou a abrir muito seu leque e a perder sua ideologia, a parecer mais um festival de música do que de percussão", avalia. "Foi bom enquanto durou, fui cuidar da minha vida." Egberto Gismonti e Naná Vasconcelos. Amanhã, sábado, às 21h; e domingo, às 18 h. R$ 10, R$ 15 (estud.), R$ 20 e R$ 30. Teatro do Sesc Vila Mariana. Rua Pelotas, 141, São Paulo, tel. 5080-3000. Até domingo.

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