Musicóloga americana lança livro sobre Guarnieri

Em Expressões de Uma Vida, Marion Verhaalen defende que Camargo Guarnieri foi o compositor nacional por excelência

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Por Agencia Estado
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Está chegando às livrarias Camargo Guarnieri - Expressões de Uma Vida (Edusp), análise da musicóloga e compositora americana Marion Verhaalen sobre a vida e a obra do compositor brasileiro. O livro de Marion, que conheceu Guarnieri e acompanhou de perto a vida do compositor, soma-se a uma série de outros projetos relacionados a Guarnieri, como o lançamento de O Tempo e a Música, livro organizado por Flávio Silva, a defesa da tese Camargo Guarnieri: a História Recontada, por Maria José Carrasqueira, a gravação das sinfonias do compositor pela Osesp e o relançamento do registro da pianista Laís de Souza Brasil dos 50 Ponteios. Dividido em duas partes - a primeira dedicada à biografia do compositor, a segunda a uma análise detalhada de cada uma de suas obras -, o livro reconta histórias e polêmicas que se tornaram folclóricas nos meios musicais do País, como a provocada pela Carta Aberta aos Músicos e Críticos do Brasil na qual Guarnieri atacava o "método de contorcionismo cerebral antiartístico" que ele associava aos compositores dodecafonistas como Koellreutter. Marion, no entanto, passa por cima de importantes figuras como as primeiras mulheres do compositor, tornando a análise biográfica apenas um esboço dos conflitos pelos quais passou o compositor. O livro dedica, também, um capítulo a uma discussão a respeito do nacionalismo, do desenvolvimento de um caráter brasileiro de composição. Camargo Guarnieri é comumente associado a esse estilo de composição, embora não tão freqüentemente como Villa-Lobos, mas o livro de Marion procura mostrar que foi ele o compositor nacional por excelência. Essa idéia aparece tanto na apresentação do musicólogo José Maria Neves, como nas 20 páginas do capítulo Desenvolvimento da Música Brasileira de Caráter Nacional, no qual às análises da autora a respeito da questão, somam-se comentários do autor a respeito de sua obra. Marion propõe cinco momentos na evolução da música brasileira: internacional (uso de técnicas européias), nacional incipiente (tópicos brasileiros expressos por meio de técnica européia), nacionalista (predomínio de linguagem musical e assuntos brasileiros inspirados em fontes folclóricas), nacional (absorção inconsciente de elementos folclóricos) e universal (retorno à universalização). Para a autora, enquanto Villa-Lobos seria um exemplo de compositor "nacionalista", Guarnieri seria o autor "nacional", que - em especial em suas primeiras obras - escreveu partituras "que absorvem o espírito da música folclórica sem citá-la diretamente". "Da mesma forma que em nomes como Tchaikovski, em Guarnieri o elemento nacional surgia com espontaneidade. Compositores devem ´falar´ a própria linguagem musical para serem autênticos, o que não os impede de escrever coisas ´universais´ musicalmente." Nesse sentido, Marion acaba propondo uma diferente leitura da Carta Aberta de Guarnieri. Distribuída em 1950, a carta é um documento no qual o compositor se coloca, publicamente, contra o Dodecafonismo, na sua opinião uma "corrente formalística que leva à degenerescência do caráter nacional de nossa música". Para ele, é preciso alertar alguns jovens por "estarem se deixando seduzir por falsas teorias progressistas da música, orientando a sua obra nascente num sentido contrário aos dos verdadeiros interesses da música brasileira". Em um dos principais momentos da carta, Guarnieri fala do perigo da predominância da forma sobre o conteúdo. "(Essa corrente antiartística) Pretende, aqui no Brasil, o mesmo que tem pretendido em quase todos os países do mundo: atribuir valor preponderante à forma; despojar a música de seus elementos essenciais de comunicabilidade; arrancar-lhe o conteúdo emocional; (...)." Após reproduzir a carta, Marion cita uma declaração de Guarnieri de 1970, quando ele terminava de compor o seu quinto concerto para piano, época na qual a peça foi tomada por uma incursão na escrita serial que ele havia criticado na carta. "Vivo no presente, assim como minha música; a personalidade dela é atual." Marion propõe que a carta, em suas entrelinhas, tinha como intenção criticar o uso da dodecafonia por compositores inexperientes, "como um meio mecânico destituído de propostas estéticas". Essa idéia se confirma, segundo ela, pela própria observação da obra de Guarnieri. "Acho que até o fim da vida ele se manteve ligado à idéia de que criar exige mais do que mero experimentalismo, que ele achava era o serialismo naquela época. Ao ouvir à gravação por Federick Moyer dos 20 Estudos para Piano, fico impressionada, no entanto, com o poder da expressão do primeiro estudo, que ele compôs no mesmo ano em que escreveu a carta. Está tão à frente de seu tempo, e o modo como é feita, sua beleza, seu poder não pertencem a qualquer rótulo." Marion também exemplifica tal posição utilizando outras peças, que mostram, em sua opinião, que todas as inovações feitas por Guarnieri vieram do próprio impulso criativo. O que reforçaria a idéia de que a carta era, acima de tudo, uma crítica ao uso indistinto e superficial do dodecafonismo. "O próprio Guarnieri aceitaria e utilizaria sons e técnicas, como no Concerto n.º 5 para Piano e Orquestra, que se aproximavam do serialismo. O movimento lento da sua Sinfonia Brasília quase que sugere fontes eletrônicas." A própria autora conclui: "A referência de Guarnieri à tendência formalística refere-se, tenho certeza, à técnica matemática de selecionar tonalidades a serem utilizadas em vez do desenvolvimento de uma forma para uma composição. Ele, no entanto, utilizou as formas tradicionais de modo pessoal e criativo. Não acredito que a forma tenha sido um fator de restrição para ele ou o tenha empurrado em direção a moldes que interfeririam com sua música."

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