Mulheres dão sabor a coletânea de jazz

A desaforada Josephine Baker, a "avó" comportamental de Leila Diniz e Madonna, está entre as pérolas do pacote de 19 CDs Jazz Collection

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Por Agencia Estado
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Atenção garotas que pintam o cabelo de roxo, têm piercing na língua, usam cueca para fora das calças e se acreditam modernas e subversivas: perto do que foi Josephine Baker, vocês são apenas frangotas de granja. Com uma diferença fundamental: ela botou fogo no mundo nos anos 20. "Avó" comportamental de Marilyn, Leila Diniz e Madonna, a arte de Josephine Baker (1906-1975) é uma das pérolas garimpadas pelo pacote de 19 CDs da Columbia/Legacy que a Sony Music está lançando em sua Jazz Collection. Nada é novidade nesse pacote, lançado oportunisticamente para aproveitar o interesse sazonal do público durante o Free Jazz Festival. Mas nada é desprezível, muito pelo contrário. Breezin´ Along é o álbum de mademoiselle Baker relançado agora. Já tinha saído nos EUA em 1999, mas pouco se falou dele. Josephine é até hoje um osso duro de engolir para a crítica, que destila preconceito contra ela. O Penguin Guide to Jazz, de Richard Cook e Brian Morton, ignora solenemente Josephine como expoente vocal do jazz, embora dê espaço para um monte de imitadoras. O estilo da corista Josephine - que enfrentava o público não raro vestida de homem ou com os seios de fora - transcende o vaudeville, traz um pouco de malícia e urbanidade e sua voz antecipa um tanto da tragédia de Billie Holiday. Breezin´ Along tem 20 faixas, gravadas originalmente em mono. Deliciosa a percussão do sapateado em Who, o híbrido de Charleston e spirituals. As mulheres do pacote merecem maior destaque que os homens - cujos trabalhos destacados são amplamente conhecidos do público de jazz. Além de Josephine, há discos de Carmen McRae (um tributo a Billie), Aretha Franklin (um tributo a Dinah Washington) e Bessie Smith, a "Imperatriz do Blues". Carmen McRae (1922-1994) nasceu em Nova York e assumia Billie Holiday como a maior influência de sua carreira. "Se Billie Holiday não tivesse existido, eu provavelmente também não existiria", ela disse. Em 1962, data deste álbum, ela gravou clássicos de Billie, como Strange Fruit, My Man, Miss Brown to You, Lover Man. O curioso, além da interpretação de Carmen - completamente distinta da de Billie, mais cerebral e rigorosa - é a excepcional atuação da banda, que tem Nat Adderley, Eddie "Lockjaw" Davis, Walter Perkins e outros. Puro suingue, com destaque para o excepcional sax tenor de Davis. O álbum duplo The Essential Bessie Smith é realmente essencial. Acompanhada eventualmente por Louis Armstrong, Fletcher Henderson, Coleman Hawkins, Benny Goodman e outros, ela ilustra em 36 canções o que significado da palavra roots no blues. E também sua desenvoltura como autora do gênero, como Backwater Blues e Jail-House Blues. Cantora da era da Grande Depressão, Bessie Smith viveu pouco. Nasceu em Chattanooga, no Tennessee, em 1894, e morreu em Clarksdale, no Mississippi, em setembro de 1937. Sua influência, no entanto, estende-se por todo o século 20, fazendo eco na arte de Dinah Washington, Sarah Vaughan e Aretha Franklin. Precursora do estilo de cantoras como Nina Simone e, mais recentemente, Macy Gray, Aretha tinha fascinação por Dinah Washington. Em 1963, durante uma festa de noivado de Aretha, num night club de Detroit, Dinah elogiou publicamente a discípula. Impossível não concordar com ela ouvindo esses registros de 1964, no qual Aretha canta para homenagear aquela que lhe deu régua e compasso. Mas há grande diferença entre as duas. O vocal de Aretha é já impregnado das influências da música negra urbana moderna, do ambiente pré-Motown de Detroit. Ela abre seu álbum com Unforgettable, balada de Irving Gordon popularizada por Nat King Cole, um dos grandes hits de Dinah Washington. É no estranhamento de duetos com instrumentos "pagãos", como a gaita de Buddy Lucas (em Cold Cold Heart) e o trompete sem erudição de Ernie Royal (em Drinking again) que Aretha mostra suas armas.

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