Morre o maestro italiano Claudio Abbado

Regente estava com 80 anos e era um dos grandes nomes da música clássica

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Por João Luiz Sampaio
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Em 1982, foi cotado para substituir Georg Solti à frente da Sinfônica de Chicago, mas acabaria por se tornar principal regente convidado. Em 1989, a imprensa americana o colocava como nome certo para assumir a Filarmônica de Nova York. Mas, com a morte de Herbert Von Karajan, ele receberia - e aceitaria - o convite para o posto de diretor da Filarmônica de Berlim.Em certo sentido, foi a grande prova da carreira de Abbado. Como substituir Karajan, que reinara absoluto na cidade e na orquestra por mais de três décadas? Abbado ofereceu ao grupo algo que faltou a Karajan, em especial no fim da carreira: uma preocupação estilística atenta às recentes correntes de pesquisa. E, com isso, não apenas redefiniu a sonoridade do grupo no repertório francês e moderno, como fez de seu ciclo dedicado às sinfonias de Beethoven símbolo de sua contribuição à história da filarmônica e base para o que as sinfônicas tradicionais fariam com esse repertório dali em diante. A saída de Berlim não se deu livre de incidentes. Em 2000, o grupo fez uma turnê latino-americana e, na bagagem, trouxe rumores de que a relação entre músicos e maestro havia se deteriorado, em especial porque Abbado tinha restrições com relação a escolhas de repertório do grupo e à decisão de participar de eventos como shows de rock, que a direção da orquestra via como caminho para buscar novas plateias. Na ocasião, em conversa com o Estado, em Buenos Aires, pouco antes de embarcar para o Brasil, Abbado não quis entrar em detalhes, dizendo apenas que saía da orquestra com a convicção de ter proposto um novo caminho para os músicos. "É como na vida: sempre há a sensação de que teria sido possível fazer mais, mas este não é um caminho que se faz sozinho." A saída de Berlim também coincidiu com a descoberta de um câncer no estômago. Muitos previram o fim da carreira do maestro. Mas o mundo musical assistiria ao renascimento de Abbado. Ele nunca mais aceitaria um posto à frente de orquestras. No lugar, passou a se dedicar a grupos criados por ele ao longo da carreira. Viajou o mundo com a Mahler Chamber Orchestra, formada por músicos que, nos anos 70, haviam integrado a Orquestra Jovem Gustav Mahler, também criada por ele - e que até hoje reivindica o posto de um dos principais conjuntos de iniciantes do mundo. Mais: no Festival de Lucerna, criou uma sinfônica integrada pelos principais solistas europeus e norte-americanos. Em Bolonha, criou a Orquestra Mozart e com ela se dedicou a gravações de obras do compositor. Há alguns anos, a pianista Maria João Pires contou ao Estado que havia sido procurada por Abbado para uma nova gravação. Queria registrar Chopin, talvez Beethoven. Mas o maestro lhe pediu que preparasse dois concertos para piano de Mozart. "Não era o que eu tinha em mente, de forma alguma. Mas Abbado pede algo a você e não há como recusar. Se ele acha que é hora de eu gravar esses concertos, é porque talvez veja algo que eu ainda não vejo. Então, não há o que pensar: você simplesmente diz sim." O comentário da pianista serve de testemunho do respeito conquistado pelo maestro no meio musical. Mesmo em Berlim, os poucos concertos que fez com a filarmônica após deixar a direção da orquestra, seriam concorridíssimos, com ingressos esgotados com mais de um ano de antecedência e enormes listas de espera. A fama e as condecorações - ele se tornou senador vitalício na Itália em agosto do ano passado -, no entanto, não foram suficientes para que se evitasse, há duas semanas, que a falta de verbas levasse à interrupção das atividades da Orquestra Mozart. Deve ter sido um golpe duro para seu maestro e criador.

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