Morre Johnny Alf, um pioneiro da bossa nova

Autor de clássicos da música brasileira tinha 80 anos e sofria de câncer na próstata

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Por Lauro Lisboa Garcia
Atualização:

Johnny Alf, em show no Sesc Vila Mariana, em 2009. Foto: Divulgação

 

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SÃO PAULO -  Johnny Alf vinha sofrendo com um câncer de próstata há mais de três anos e seu estado de saúde agravou-se desde segunda-feira. O cantor, compositor e pianista carioca morreu na tarde desta quinta, 4, no hospital Mário Covas em Santo André, na grande São Paulo, segundo informou seu assessor Nelson Valença. O enterro será nesta sexta, no cemitério do Morumbi, na cidade que adotou a partir da metade dos anos 1950. Seu último show foi em agosto de 2009, no Teatro do Sesi, em São Paulo, ao lado da cantora Alaíde Costa, sua grande amiga.

 

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Johnny Alf, nascido Alfredo José da Silva, na Vila Isabel de Noel Rosa (1910-1937), no Rio de Janeiro, no dia 19 de maio de 1929, Johnny Alf perdeu o pai, o cabo do Exército Antônio José de Almeida, quando tinha três anos. A mãe, a dona-de-casa Inês Maria da Conceição, passou então, por necessidades financeiras, a trabalhar como empregada doméstica. A família que deu o emprego a ela ajudou a criar o pequeno Alfredo e lhe deu condições de estudar. Mais tarde, por volta dos 9 anos, uma amiga dessa família, Geni Borges, o estimulou a aprender piano clássico.

 

 

Os estudos de música erudita ("mais Chopin do que Debussy") tiveram pouca influência depois, como o próprio Alf afirmaria anos mais tarde. O que mais teve impacto sobre sua criação artística foram os filmes musicais americanos que tinham trilhas sonoras assinadas por gente do porte de George Gershwin e Cole Porter. "Era o que me acendia aquela vontade interior de criar alguma coisa. Então, quando voltava do cinema sob aquele impacto, eu ia ao piano e fazia coisas com a influência do que tinha ouvido", disse.

 

Além do cinema musical, havia o jazz - e especialmente o trio do também pianista e cantor Nat King Cole o inspirou. Na música brasileira, os cantores Silvio Caldas, Orlando Silva e Dircinha Batista estavam entre seus prediletos. Ele também tocava Dorival Caymmi e sucessos do repertório de cantores requintados da época, como Lúcio Alves e Dick Farney. Dessa mistura de influências, surgiu o embrião da bossa nova que ele desbravou.

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Johnny Alf adotou esse pseudônimo nos anos 40. Convidado a integrar um grupo artístico do Instituto Brasil-Estados Unidos, não demorou a ter o nome Alfredo reduzido para Alf por um professor. O Johnny veio por sugestão de uma colega norte-americana, "porque era um nome muito popular na terra dela". Bem que tentou mudar quando começou a se projetar na vida artística, mas o apelido já tinha ficado popular.

 

 

O ano de 1952 foi definitivo em sua carreira. Até então Alf se revezava nas funções de cabo do Exército, durante o dia, e cantor de boate, à noite. Entre seus admiradores na plateia estavam cantores como Nora Ney e Dick Farney e o capitão do Exército, Victor Freire. Este viria a se tornar seu amigo íntimo, parceiro (compuseram juntos Em Termos de Canção e Chegou o Momento) e maior incentivador, num período em que Alf se ressentia do desprezo da família adotiva por ter escolhido a música em vez de uma profissão de emprego seguro.

 

Foi por intermédio de Farney e Nora que ele iniciou a carreira profissional como pianista na Cantina do César, casa noturna de propriedade do radialista César Alencar. Victor Freire contribuiu levando-o a

conhecer a atriz e cantora Mary Gonçalves, que acabara de ser eleita a Rainha do Rádio daquele ano. Foi assim que teve não apenas uma, mas quatro músicas suas gravadas pela primeira vez - O Que É Amar, Estamos Sós, Escuta e Podem Falar -, além de tocar piano no disco da cantora. A primeira gravação própria de Alf, Falseta, de sua autoria, saiu no lado B de um disco de 78RPM, que tinha De Cigarro em Cigarro (Luiz Bonfá) no lado A. Tudo isso aconteceu em 1952.

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A formação do grupo que gravou as duas músicas - Alf (piano), Garoto (violão) e Vidal (contrabaixo) - era tão arrojada para os padrões da época quanto a concepção harmônica e melódica do samba Rapaz de Bem e do baião Céu e Mar, compostos no ano seguinte. Antes instrumentista, compositor e arquiteto brilhante de harmonias de movimentos surpreendentes, Alf também não tardou a impressionar como cantor. Como bem lembrou um notório admirador, o cantor Ed Motta, num programa de tevê em sua homenagem em 2005, Alf foi, "sem dúvida, o primeiro no Brasil a usar a voz como instrumento; a voz dele não era só a mensagem, a letra, mas também a melodia".

 

 

Primeiro registro significativo de sua carreira de mais de 50 anos e poucos títulos, Rapaz de Bem é considerado por especialistas como o primeiro disco de bossa nova, estilo que só adotaria essa nomenclatura em 1958 com o clássico Chega de Saudade (Tom Jobim/Vinicius de Moraes) pela voz e o violão de João Gilberto. A revolução silenciosa de Alf chegou ao grande público três anos antes, mas já tinha o aval de uma plateia privilegiada de shows desde 1953: os jovens bossa-novistas João Gilberto, Tom Jobim, Carlos Lyra, entre outros, que o tinham como grande ídolo.

 

Morando em São Paulo desde 1954 - com uma recaída bissexta pelo Rio em 1962, quando formou um trio com o baixista Tião Neto e o baterista Edison Machado -, Alf só lançou o primeiro LP, Rapaz de Bem, em 1961. Daí veio a consagração de outros de seus clássicos, Ilusão à Toa e O Que É Amar, que se tornariam obrigatórios em todos os seus shows. Além destas, outra que se destacou ao longo da carreira foi o bem-humorado choro Seu Chopin, Desculpe (do álbum Diagonal, de 1964), mas nenhuma repetiu o êxito de Eu e a Brisa, de 1967.

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