Moreno é um Caetano teen

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Por Agencia Estado
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Cantando num fiapo de voz, batida monocórdia de violão ao fundo, uma voz de cantiga de ninar que parece dissolver-se e culmina num som de violoncelo, Moreno apresenta suas armas logo na primeira faixa, a bela Sertão. Não usa o sobrenome do pai, Caetano Veloso, como se pretendesse desgarrar-se por decreto, bezerro querendo o desmame à força. Mas o fato é que Máquina de Escrever Música é algo depreendido diretamente de uma costela caetânica. Mesmo Sertão já é uma parceria de Moreno com o pai, e em alguns momentos parece que Caetano está cantando nos backing vocals. Moreno é um Caetano teen, entre a bossa nova e o trip hop, entre Djavan e Jay-Jay Johanson. As semelhanças com o pai afloram o tempo todo e não é só pelo falsete encobrindo a eletrônica low-fi. Estão também nas opções estéticas, a mesma intenção mal dissimulada de aproximar extremos - o Olodum de Deusa do Amor com as guitarrinhas Arto Lindsay de Assim. Não escapou das obsessões do velho, o jovem Moreno. Mirando-se em Fina Estampa, canta em espanhol no bolerão Para Xó. Mirando-se em Livro, põe batuque na sua balada em Rio Longe. O clã Veloso comparece de vez em sempre. Há momentos, como a bossa Nenhuma, que parece ter sido feita em brainstorm com a prima Belô Veloso. "Toda tarde você nunca chega/Toda noite você demora." As influências são evidentes, mas não demonstram nada, a não ser a implacável força gravitacional do caetanismo. Moreno fez um disco bem-feito, bem produzido e com intensidade, sem falsear sua natureza. É uma saudável revelação e ficará mais forte quando adequar-se à força da gravidade. E é corajoso o novato Moreno. Seu velho é um medalhão da MPB e está acostumado à dialética do embate com a crítica. Fortalece-se com isso. Moreno, que ainda sugere um tanto de ingenuidade, terá de se bater desigualmente com a recusa e a ironia. Mas sem dúvida não será ignorado, o que seria bem pior.

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