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Montagem de ‘Otello’ é o triunfo da regência sensível

Na nova montagem da ópera de Verdi, tenor Gregory Kunde merece figurar entre os grandes intérpretes do papel

Foto do author João Luiz Sampaio
Por João Luiz Sampaio
Atualização:

Quando o diretor Giancarlo del Monaco diz que, por sua universalidade, o Otello, de Shakespeare – ou sua versão para a ópera, feita por Verdi – poderia ser ambientado até no espaço, não estava brincando. Sua produção da ópera, estreada na quinta, dia 12, no Teatro Municipal, faz, afinal, justamente isso: não há cenários, apenas uma plataforma móvel e, ao fundo, uma enorme tela, em que se movem projeções de planetas e constelações.

O palco vazio dialoga com o início da carreira de Del Monaco, que, na Alemanha dos anos 1960, trabalhou com diretores como Wieland Wagner ou Walter Felsenstein, autores de montagens revolucionárias, feitas basicamente de luz. Mas tal revolução já é cinquentona, o que dá um caráter quase arqueológico a este Otello, que talvez funcionasse melhor com uma direção que, nesse pano de fundo abstrato, investisse mais no trabalho de ator e não se limitasse a “sacadas” como manter Iago constantemente sobre o palco ou ressaltar, em diálogo com a movimentação dos planetas, a ideia de que ele é o agente a perverter a ordem vigente.

Cena de 'Otello' Foto: ALEX SILVA/ESTADAO

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Por conta disso, em que pese o efeito visual de rara plasticidade e beleza, o ponto forte do novo Otello do Municipal foi a realização musical. À frente da Sinfônica Municipal, John Neschling, depois de uma cena inicial hesitante, apoiou-se em uma regência sensível e teatral. O dueto do primeiro ato, as atmosferas contrastantes do segundo, a construção da cena coral do terceiro, a delicadeza sombria das árias de Desdêmona: são exemplos de uma leitura reveladora do bom momento dos corpos artísticos do teatro.

Lana Kos como Desdêmona e Rodrigo Esteves, como Iago, tiveram bons apresentações musicais e de teatro. Mas a estrela da noite de estreia foi o tenor Gregory Kunde. O refinamento de seu Otello não abre mão da dramaticidade: pelo contrário, em cenas como a ária “Dio! mi potevi scagliar” revelam uma compreensão ímpar do personagem, digna de figurar entre as grandes interpretações de um papel extremamente complicado.

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