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Miúcha canta seus autores favoritos

Seu novo CD, Compositores, reúne músicas de Chico Buarque, Edu Lobo, Guinga, Tom Jobim, João Donato, Moacyr Santos e Vinícius de Moraes, entre outros

Por Agencia Estado
Atualização:

A discografia de Miúcha é pequena e sem máculas. Pequena porque talvez cada disco - os dois ao lado de Tom Jobim, por exemplo, ou aquele, ousado, lançado pela Continental em que a cantora via antes de todos as brilhantes qualidades de Guinga, incluindo no trabalho cinco faixas do então desconhecido autor (o disco nunca foi relançado) - precise de tempo até o pleno amadurecimento e o máximo da beleza. Compositores é seu mais novo trabalho. Miúcha resolveu cantar os autores que mais tocam seu coração sensível, que mais mexem com a alma descaradamente apaixonada pela vida e pela música. "Era uma vez uma vontade de fazer um disco dedicado aos muitos amigos e maravilhosos compositores com quem tive a sorte de cruzar pela vida, pelos palcos, pelos discos. Sabendo disso, as mais lindas canções foram chegando aos poucos, brotando dos recantos da memória, florescendo nas sugestões dos amigos e nos presentes musicais que andei ganhando por aí", escreve Miúcha no texto de apresentação encartado no disco. Chamou para a produção um dos profissionais mais respeitados do ramo, Zé Milton, que produz, por exemplo, os discos de Nana Caymmi (que não abre mão dele de forma nenhuma). Cercou-se dos melhores músicos e arranjadores (alguns deles escreveram depoimentos para o libreto do encarte: Cristóvão Bastos, João Donato, Dudu Soute, Francis Hime, Hélvius Vilela, Leandro Braga, Guinga. Investiu numa atmosfera camerística - mesmo quando o assunto é bossa nova, como na faixa que abre o CD Pode Ir, pérola quase esquecida de Carlinhos Lyra e Vinícius de Moraes, que tem arranjo de Leandro Braga combinando piano, violão, flautas, cordas arqueadas. Mas é um bolero a faixa seguinte, Quando a Lembrança Vem, parceria rara de João Donato e Tom Jobim (nessa ordem, o que indica: música de Donato, letra de Tom), canção crepuscular de fim de amor. Do musical Cambaio, Miúcha pinçou Canção Inédita, melodia de Edu Lobo e letra de Chico Buarque ("Se você beijar um outro, pode-se partir/ A valsa/ Mas se roendo-as-unhamente/ Me quiser ouvir/ Descalça no breu/ Pé ante pé/ Abra o peito bem devagar/ E deixe/ Sete notas a vibrar/ E feche/ Guarde numa caixa preta/ A tímida canção/ No fundo falso da gaveta/ Do coração"). É uma das maravilhas do repertório de Cambaio, obra preciosa que, estranhamente, passou quase em branco. Parceiros recentes, Guinga e Nei Lopes escreveram Fox e Trote, um fox, com cores de big band de subúrbio da Leopoldina. Miúcha canta rindo - quem ouve consegue ver o sorriso, a alegria que sempre está nela. O contrabaixista Novelli, o poeta Maurício Tapajós, já falecido, e Paulo César Pinheiro são parceiros na esperançosa balada-em-bossa Tomara, e Miúcha tomou para si um Noel Rosa menos óbvio, o do samba Cor de Cinza, crônica de desencontro, cena da cidade, uma mulher que desce rápido do carro, uma luva cinzenta, de pelica, esquecida. A cantora recupera uma das páginas gloriosas da música brasileira que, nos anos 70, Jards Macalé ajudara a tirar do esquecimento, mas que ninguém, de lá para cá, cantou mais: E Daí, de Miguel Gustavo, quase um haicai. De Tom Jobim e Alcides Fernandes, outra raridade, Solidão. Compositora bissexta, Miúcha escreveu para melodia de João Donato a letra de Tempo de Amar, que antecede, no disco, uma parceria de Moacyr Santos e Vinícius de Moraes, a bossa Lembre-se. Baden Powell e Paulo César Pinheiro comparecem com Refém da Solidão; Cristóvão Bastos e Abel Silva mostram Vento Levou; Francis Hime e Vinícius de Moraes emprestam mais beleza ao disco com A Dor a mais; e a beleza se completa com Você, Você, de Guinga e Chico Buarque. Ouve-se entre o sorriso e o aperto no peito. Imperdível.

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