PUBLICIDADE

Matana Roberts faz shows em SP e no Rio

Saxofonista foi elogiada por trabalhos que dialogam com a história afro-americana

Por Roberto Nascimento
Atualização:

Em diálogo com um legado jazzístico politizado e consciente em sua investigação do papel do negro na sociedade contemporânea, a saxofonista Matana Roberts vale-se de palavras, improvisos e justaposições estilísticas na criação de ressonantes peças sonoras que retratam um complexo emaranhado cultural. “Tenho um profundo interesse por história e tradição oral”, explica, através de um manifesto disponível em seu site, “Tradições desenvolvidas, desconstruídas, fundidas muitas vezes através de profundas contradições. Eu sou seduzida por histórias que coexistem em um evento momentâneo, mas não estão em sincronia. Sou fascinada por narrativas, e pelos problemas que a percepção de uma linearidade criam na recontagem de vitória, triunfo e tragédia. Uso métodos de improviso de multigêneros, composições e performances alternativas para explorar estes temas”, completa a musicista, que mostra neste sábado, 28, em São Paulo, no CCSP, como parte da programação do Mês da Cultura Independente, e amanhã, no Rio, um trabalho solo de interação entre som e imagem, tocando a partir de projeções audiovisuais durante o show.

PUBLICIDADE

Suas teses e entrevistas são densas e perspicazes como o que se ouve em disco. Em sete minutos de uma faixa de seu elogiado Coin Coin Chapter One: Gens de Coleurs Libres (“Liberte as pessoas de cor”, em tradução), de 2011, Matana vai de um catártico improviso em tons de gospel herdados do quarteto de John Coltrane, a uma sobreposição de pensamentos declamados em francês e inglês, a um bombástico finale ao ritmo de uma brass band sulista. A música eleva, instiga e desorienta ao mesmo tempo, deixando claro a busca de um efeito remendado, semelhante à criação de uma colcha de retalhos, que Matana propõe (de fato, a criação de colchas está na tradição familiar da saxofonista).

“Venho de uma linhagem afro-americana que criou uma obra maravilhosa, ao mesmo tempo lidando com um sistema político que se recusou a integrá-la. A eleição de Obama foi um grande passo para a América, e um grande passo na inclusão dos afro-americanos na história deste processo. Mas, agora, isto nos leva à pergunta de onde artistas afro-americanos devem colocar esta herança criativa... Algumas das questões que nossos percussores tatearam ainda estão, tristemente, presentes, mas uma profundidade que vai além da comunidade afro-americana está abrindo a possibilidade de nós usarmos a nossa história como uma forma de mostrar para outros que estão lidando com a reciclagem de coisas que nós já passamos. Me refiro à imigração, à comunidade GLS, ao tráfico de pessoas. Estão exemplos históricos que tem se repetido”, pontua, em uma matéria de capa da revista Wire, deste mês. A manifestação sonora da proposta de Matana, nascida em Chicago, e com outras passagens pelo Brasil (parte de um fantástico trânsito do free jazz norte-americano pelo território nacional, que tem como principal expoente as colaborações do e shows do trompetista Rob Mazurek), ganha novo fôlego em Coin Coin Chapter Two: Mississippi Moonchile, novo trabalho que será lançado na semana que vem, pela gravadora Constellation Records.

Trata-se da continuação de uma série que Matana pretende produzir até o décimo segundo episódio. Batizada com o apelido dado a Marie Thérèse Metoyer- uma escrava libertada que criou uma comunidade na Louisiana em que negros tinham maiores liberdades do que as de costume, na época, a série Coin Coin é o resultado de pesquisa e de um envolvimento visceral com a história do negro norte-americano, em que Matana chegou a pesquisar sua própria árvore genealógica, indo atrás de seus antepassados através de recibos usados no pagamento de escravos. Como nos mais nobres trabalhos de mestres afro-americanos, Matana usa a profundidade dessa ferida para transcendê-la e alcançar a expressão da liberdade.

 

MATANA ROBERTS Centro Cultural São PauloRua Vergueiro, 1.000, Paraíso, 3397-4002. Hoje, às 19 h. Grátis.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.