Martinho da Vila é intérprete em novo CD

Voz e Coração concretiza seu antigo projeto de fazer um disco com músicas de compositores que admira, como Ismael Silva, Adoniran Barbosa e Lupicínio Rodrigues

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Por Agencia Estado
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O sargento do Exército Martinho José Ferreira sonhava mesmo era com o prazer de ouvir uma de suas composições na voz de, por exemplo, Elisete Cardoso. Daí que ficou assustado quando a gravadora RCA (hoje BMG) o convidou, em 1968, para gravar um disco como intérprete. Não gostou da idéia. "Tô fora", disse. "Se é para gravar, que sejam as minhas músicas." Afinal, no ano anterior, a Vila Isabel havia desfilado com um samba seu. E, antes disso, desde a adolescência, Martinho fez a escola Boca do Mato, da qual foi também diretor de harmonia, desfilar belamente com sambas seus. A turma da gravadora usou do bom senso e assentiu. Martinho deu baixa do Exército, largou no meio o curso de contabilidade, pôs a escola no sobrenome. No ano seguinte, estrearia no mundo do disco com Martinho da Vila. Enormes sucessos: os partidos-altos Casa de Bamba e O Pequeno Burguês e os sambas-enredo Iaiá do Cais Dourado e Carnaval de Ilusões, que revolucionaram o formato do gênero. Martinho continuou compondo e gravando, eventualmente, coisas alheias. "Eu não acreditava em mim como cantor, mas como um compositor que cantava", lembra. "Aos poucos, as pessoas foram dizendo que achavam legal o meu jeito de cantar, gostavam de me ouvir sem acompanhamento... acabei achando que dava para bancar o cantor, de verdade." É o papel que ele assume em seu novo lançamento, Voz e Coração (Sony Music). "Depois que me convenci de que podia cantar, fiquei com a idéia de lançar um disco de intérprete e há alguns anos venho pensando nisso. Para ser preciso, desde 1995, quando saiu Tá Delícia, Tá Gostoso. Só que eu tinha muita coisa nova para mostrar e a vida seguiu. Mas a idéia não saiu da cabeça", diz. Nesse ano, Martinho havia resolvido que não iria lançar disco. "Saíram antologias que foram muito bem, comercialmente, principalmente uma chamada Martinho Definitivo, e eu pensei em dar uma descansada. Mas o diretor da Sony me chamou: ´Faça um disco, Martinho, uma coisa mais simples, para não ficar sem lançamento em 2002.´ E eu pensei que era a hora certa para cantar os outros." "Fui bolando o repertório: nada de inéditas, só clássicos ou músicas de que eu gostasse muito", conta. "E no capítulo das coisas de que eu gosto, havia um samba que não podia ficar de fora - Chico Rei, de Geraldo Babão, Djalma Sabiá e Binha. Mas eu já havia gravado antes o Chico Rei. Então, bolei um arranjo diferente. Chamei o Naná Vasconcelos, porque há muito tempo a gente vinha num namoro para fazer alguma coisa juntos e ele pôs aqueles tambores que só ele sabe tocar." A outra que Martinho havia gravado antes é Heróis da Liberdade, o enredo clássico de Silas de Oliveira, Mano Décio e Ferreira. "Bolei uma versão diferente: canto tocando pandeiro, com apoio do violão de João de Aquino e coro." No mais, procurou os autores que adora: de Ismael Silva, escolheu Antonico (parceria com Alcides Gerardi). "Não podia ficar de fora o Adoniran Barbosa, mestre na arte de combinar a tragédia com a graça, e separei uma composição dele menos conhecida, Apaga o Fogo, Mané." Algumas faixas de Voz e Coração têm mais de uma música. Martinho achou curioso juntar Volta, de Lupicínio Rodrigues, com Por Causa de Você, de Tom Jobim e Dolores Duran. "É que, para mim, o Lupicínio está naquele mesmo universo que abriga o Tom e a Dolores", explica. Outra combinação é de duas obras-primas que levam assinatura da dupla João Nogueira e Paulo César Pinheiro: Minha Missão e Poder da Criação. Algumas das 16 músicas (em 14 faixas) foram escolhidas em homenagem a pessoas da especial admiração do cantor. O samba-canção Quase entrou por causa da intérprete que o consagrou, Carmem Costa ("Eu nem sabia que era do Mirabeau", confessa Martinho); a Sonata sem Luar, de Vinícius de Carvalho e Frederico Chateaubriand, é tributo a Maysa ("Ela era uma bacana que cantava bem, ao contrário do que quase sempre acontece com as bacanas", observa). "Enfim", conta, "é um disco com músicas que eu gostaria de ter feito. Mas não faria. São cheias de dor. E eu quase só componho alegria."

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