Mário Lago se definia como homem de teatro

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Por Agencia Estado
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Homem de múltiplos talentos, o ?ator? Mário Lago foi versátil também na escolha dos veículos de comunicação: atuou em teatro, cinema, rádio, televisão e ? embora detestasse ser fotografado ? participou até mesmo de fotonovelas. Foram 18 filmes, 42 telenovelas e 42 participações em minisséries, casos especiais e séries como Malu Mulher e Plantão de Polícia. Como autor, escreveu 31 peças, a maioria do gênero teatro de revista, algumas de grande sucesso. Apesar dessa versatilidade como intérprete, definia-se como ator de teatro. ?Nasci no teatro, sempre vivi no meio do teatro, meu pai era maestro de companhia lírica e subi ao palco pela primeira vez aos 5 anos, substituindo um ator mirim em Madame Butterfly.? Essa primeira experiência, no entanto, não significou exatamente um início de carreira teatral, que começaria para valer em 1933, quando chamado para escrever para a companhia teatral de Joracy Camargo, na qual também passou a atuar. ?Eu tinha 21 anos e era o autor teatral mais jovem da época.? O fato de ser também compositor contribuiu para o sucesso de revistas como Rumo ao Catete, nome do bairro carioca onde ficava o palácio do presidente da República, em uma época em que o Rio era capital do País. Além de ser um tipo de teatro musicado, as revistas primavam pela sátira política, bem ao gosto de uma artista que nunca ouviu o conselho do pai. ?Ele sempre dizia que o artista não devia se meter em política. Mas a política está em tudo e o artista não pode se omitir.? Censura ? Lago nunca se omitiu e foi preso 13 vezes, uma delas em 1978, por causa da montagem de sua peça Foru Quatro Tiradente na Conjuração Baiana. Ele escreveu o texto a partir de uma pesquisa sobre a Revolução dos Alfaiates, ocorrida em 1798, em Salvador, na qual quatro líderes foram enforcados e esquartejados. ?A peça foi censurada e eu preso; o mais impressionante é que não havia nada no texto que não correspondesse à realidade histórica.? Mas os problemas previstos pelo pai nunca calaram o autor e ator Mário Lago. Ao atuar em O Padre e a Moça, filme de Joaquim Pedro de Andrade, definiu seu personagem como ?um homem conformado com a sorte; que não diz nada porque acha que não vale a pena dizer ou porque nem mesmo sabe traduzir em palavras o seu sentimento?. Por isso mesmo, considerava o papel um grande desafio. ?Sou o oposto; sou um homem que gosta de lutar e de dizer o que pensa sejam quais forem as conseqüências.? O sucesso com o teatro de revista rendeu um convite para atuar no rádio. Em 1943, iniciou na rádio Panamericana e, no ano seguinte, mudou-se para uma das emissoras mais importantes da época áurea do veículo, a Rádio Nacional. ?Cheguei a escrever duas radionovelas por dia, nas quais também atuava.? Um dia foi escalado para fazer o papel do pai de uma veterana atriz numa das telenovelas. Reclamou. ?Ela poderia ter me carregado no colo.? Queria ser o galã. ?Galã é para quem tem apenas uma voz aveludada. Você é bom ator e deve ficar com os papéis difíceis?, ouviu do diretor. A carreira na Rádio Nacional acabou 20 anos depois, com o golpe militar. A demissão da rádio por motivos políticos provocou um período de dificuldades financeiras. Para sobreviver, atuou em fotonovelas. Mas um veículo que estava em crescimento acabou abrindo novas portas para o ator: a televisão. Por incrível que pareça, os prêmios que receberia como intérprete ? dois prêmios APCA e um Golfinho de Ouro, do Museu da Imagem e do Som ? viriam na década de 70 por sua atuação em telenovelas como O Casarão, Nina e Dancin? Days. Ao contrário de outros artistas politicamente engajados, Lago nunca rejeitou a televisão. Pelo contrário. Achava o veículo democrático na difusão da cultura ? havia feito participações esporádicas no Grande Teatro Tupi ? e várias vezes apontou seu potencial pedagógico. Não era ingênuo quanto à manipulação desse potencial, mas acreditava ser possível dar uma contribuição positiva. ?A produção industrial tende à mesmice. Colaborar com alguma coisa que fuja a esse repetitivismo é uma experiência fascinante.? Sua primeira atuação em novelas foi no papel de um nazista, o coronel Otton Von Luckner, em O Sheik de Agadir, em 1966. Depois viria um bêbado em Anastasia, um barão em A Rosa Rebelde, um doge de Veneza em A Ponte dos Suspiros, um fanático religioso em Selva de Pedra. O medíocre Atílio em O Casarão lhe valeu o primeiro prêmio da Associação Paulista de Críticos de Artes. ?Atílio é o homem que vive sem que se veja e morre sem que se perceba?, definiu Lago, cuja atuação contida mas carregada de emoção desviou a atenção dos personagens principais, vividos por Paulo Gracindo e Yara Cortes. A cena da morte de seu personagem, por exemplo, silenciosa, de raro equilíbrio entre introspecção e expressividade, figura em antologias da história da telenovela brasileira. O segundo viria por sua participação em Nina, em 1977, na qual interpretava o Coronel Galba, uma personagem que entraria no 11.º capítulo e morreria no 32.º. ?Mas o adaptador Walter George Durst gostou da minha composição e fiquei até o fim?, comenta ele, lembrando da novela que recriava o espírito liberto de São Paulo nos anos 20. Lago sempre elogiou esse caráter de ?obra aberta? das novelas, sujeitas a mudanças de acordo com a repercurssão. ?Sebastião de Selva de Pedra era para ser um fanático tocador de bumbo, mas por pressão do público acabou como um suave jardineiro. Gosto disso. Desafia o ator. E a arte assim fica parecida com a vida, cheia de surpresas.? A intensa participação em novelas, como ele próprio confessou, impediu participação mais ativa no cinema. Ainda assim, entre 1966 e 1973 atuou em filmes importantes, entre eles O Padre e a Moça, de Joaquim Pedro de Andrade; Terra em Transe, de Glauber Rocha e São Bernardo, de Leon Hirszman.

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