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Marina estréia projeto sofisticado em SP

Com o charme dos primórdios, a cantora faz show no Auditório Ibirapuera sob a direção de Monique Gardenberg

Por Agencia Estado
Atualização:

O mundo já não faz tanto charme. Está estranho, perigoso, selvagem. Mas é o que se tem, por enquanto. E para Marina Lima ele continua a encantar. Por essas voltas inevitáveis que ele dá, ela está de novo conectada a certos princípios. Essa é a idéia que permeia o show Primórdios, que a cantora estréia hoje no Auditório Ibirapuera, onde fica até o dia 6. Não se trata de uma mera retrospectiva, retomada ou revisão de carreira. Está mais de acordo com o conceito filosófico do eterno retorno de Friedrich Nietzsche. "Se o tempo for realmente relativo, se o mundo é um eterno retorno, se não há horizontalidade nem verticalidade e as coisas são cíclicas, não sei onde é o começo e onde é o fim", diz a cantora. O roteiro, que abre com Slide Show at Free University (do grupo Le Tigre, com versão de Alvin L.), termina com Ela e Eu (Caetano Veloso), que para Marina pode simbolizar a volta "da criança com a mãe". Ela e Monique Gardenberg, que assina a direção, montaram um repertório que mescla canções inéditas e antigas consideradas atemporais (como Virgem, Difícil e Acontecimentos). Há também versões de outros autores, como Laurie Anderson e Sonny Bonno, além de Lupicínio Rodrigues e Paulinho da Viola. Amor, sexo, morte, desilusão e infância estão entre os temas que contam uma história. Alusões aos primórdios estão nas letras de duas novas canções, Anna Bella e Três, parcerias dela com Antônio Cícero. "Eu vi no mapa do mundo/ Que Anna Bella desenhou/ Que a região do desejo não é exatamente a do amor", diz um trecho da letra de Anna Bella, que prossegue com uma questão pertinente: "Já que é assim me pergunto/ Uma coisa que pensei/ Por que as mulheres também não podem ter a sua sauna gay"? Marina diz é só "mais uma reivindicação". A proposta rompe com o preceito de que homens fazem sexo e mulheres fazem amor, por isso só se entregam quando apaixonadas. "Eu brinco e reclamo muito com meus amigos, heteros e gays, porque eles conseguem resolver essa questão física urgente em minutos. Quando encontram alguém que corresponda, aí sim, entra o lado afetivo. Mas amor e sexo são distintos. Embora às vezes queiram só transar, as mulheres não têm esse hábito, esse despudor de fazer sexo pelo sexo. Por isso colocam toda a expectativa num relacionamento. Se tivessem como desafogar seria tão mais fácil." A falência das relações humanas está entre as preocupações gerais, incluindo a de compositores, obviamente, que tem se expressado em letras de canções, entre céticos e descrentes. Subentendida em Anna Bella, a matéria ressurge em outra abordagem na também inédita Entre as Coisas (leia letra no quadro), que vem em forma de rock denso e letra reflexiva. Um personagem protesta pelo investimento perdido enquanto outro vislumbra um futuro sem perspectiva. "O difícil nas relações é os dois estarem olhando na mesma direção, um ao lado do outro", diz a cantora. Quanto ao futuro e à velocidade com que tudo se transforma hoje, ela não vê saída senão encarar de frente. "Adoro a vida. O mundo está mudando muito rápido, seja no clima ou na política, e para quem está vivo não há outra opção. Não temos outro planeta para viver, pelo menos por enquanto", observa, em tom bem-humorado. "Vou tentar me adequar e fazer o melhor possível. Agora, as pessoas são muito imediatistas, só pensam em si próprias e não na maioria. Uma hora isso vem à tona. Esses furacões todos, essa podridão na política. Isso não é de agora, mas nunca vi as coisas serem tratadas com tanta transparência neste país. É uma chance de mudança, mas acho que são questões para serem resolvidas a longo prazo. Só as futuras gerações devem ver os resultados." Se o sistema todo vai mal, é claro que isto se reflete na cultura e acaba por delimitar o campo de atuação de artistas com projetos menos comerciais, como ela. "Não é por falta de talento. Temos muitos, mas talvez estejamos criando pessoas imbecilizadas. O brasileiro, ao mesmo tempo, tem uma alma que quer ser feliz de qualquer jeito. Tem de haver uma coisa para dar alegria a essas pessoas também, que não têm outra alternativa. Isso acaba justificando a falta de qualidade." Ou não. O show que ela estréia hoje é conceitual e sofisticado, segundo ela, e tem ingressos a preços populares. Com cenários do arquiteto Isay Weinfeld, foi projetado com exclusividade para o Auditório Ibirapuera. Primórdios também traz uma Marina menos tímida em relação ao palco e ao público. Ela, que sempre preferiu estúdios e discos, se diz mais relaxada depois de fazer temporada no Bar Baretto, onde cantava no mesmo plano da minúscula platéia de 64 pessoas. "Essa proximidade criou uma relação de igual para igual. Podia ficar inibida, mas as pessoas também ficavam. Eu via a pupila de cada um", brinca. "O medo era de me desnudar. Agora que passei por isso, em vez de gravar um CD preferi mostrar as músicas antes no palco." Além das quatro inéditas incluídas no show, Marina tem outras cinco prontas para o disco que pretende lançar em 2006. É certo também que vai entrar uma regravação de Dura na Queda, que Chico Buarque compôs para Elza Soares. A versão de Marina vai começar meio bluesy e depois muda para uma cadência de samba lento. Vai ver que o charme do mundo ainda está aqui. Marina Lima. Auditório Ibirapuera (800 lug.). Av. Pedro Álvares Cabral, s/n.º, Pq. do Ibirapuera, portão 2. 6.ª a dom., 20h30. R$ 30. Até 6/11

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