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Marília Gabriela: 'Cantar é meu hobby de luxo'

Quanto não entrevista e não atua, Marília Gabriela canta. E pode provar agora que não é só uma aventureira

Por Flavia Guerra - O Estado de S. Paulo
Atualização:

"O que você quer saber de mim?", pergunta bem humorada uma Marília Gabriela recém saída do estúdio de gravação de seu programa semanal no GNT (Marília Gabriela Entrevista). Difícil responder. Diante de uma mulher que, aos 62 anos, exibe frescor e uma energia de dar inveja aos mais fiéis praticantes de Pilates (que ela pratica diariamente) e mantém três programas de entrevistas em três emissoras diferentes (além do GNT, o De Frente com Gabi, no SBT, e comanda o Roda Viva, na TV Cultura, desde julho), há muito a se perguntar. Impossível não querer saber como ela ainda encontra tempo e disposição para fazer um show. Gabi estréia no palco do Bourbon Street na próxima quarta e, apesar de ter no currículo três discos, define a música como um ‘hobby luxuoso’. Mas, a julgar pela produção de seus discos e show anteriores, este é um lazer que ela leva a sério.

 

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Seu primeiro disco, Marília Gabriela, de 1982, gravou ainda na ‘fase TV Mulher’ pela Som Livre foi produzido por Lincoln Olivetti e Gilson Peranzzetta. Em seguida, em 1984, veio o segundo, também Marília Gabriela, com direção musical de César Camargo Mariano. O terceiro, Perdida de Amor, de 2002, teve arranjos de Ricardo Silveira e produção de Max Pierre. Para completar, em 2004, a convite de Boni, Gabí fez pela primeira vez um show só seu, no palco carioca do Mistura Fina. Desta vez, leva ao Bourbon um repertório eclético que, com arranjos e direção do maestro Ruriá Duprat, inclui de Bonequinha Cobiçada a Cry me a River, e que ela define como Incoerente.

 

Para começar, quero saber, em primeiro lugar, como você, que já acumula tantas funções ainda encontra tempo e vontade de cantar e fazer um show. Eu sou louca. Então, para não entrar no processo de enlouquecimento, eu me ocupo muitíssimo. Preciso sempre estar muito ocupada. Se não eu piro legal mesmo. E as questões não respondidas, de onde vim, quem sou, para onde vou… começam a rolar na minha cabeça.

 

Fazer um show é uma ideia boa para ocupar a cabeça...Exatamente. Costumo dizer que cantar é um hobby luxuoso. Já este show começou a surgir lá em 2004, quando fiz meu último show, no Mistura Fina do Rio, produzido pelo Boni. Naquela época, o Edgard Radesca, do Bourbon Street, convidou-me para fazer um show lá. E vim dizendo não desde então. Até que um ano atrás, fui ver um show do Antonio Zambujo no Bourbon. Eu estava tão feliz no show que o Edgard me pegou na curva e disse: Agora decide, quando você vai fazer o show. E respondi: Ano que vem.

 

Agora o ano que vem chegou! Isso. Estava previsto para junho, mas fui adiando... Surgiu o Roda Viva. Adiei mais um pouco e prometi: de novembro não passa. Bom, chegou novembro.

 

Antes de falar do repertório, conta um pouco como a música entrou na sua vida. Como uma jornalista, antes mesmo de se tornar atriz, arrisca-se a cantar. Quase ninguém sabe disso, mas um dia o Paulo Moura contou em uma entrevista que, quando era menino, morava em uma casa de pensão com o pai, em São José do Rio Preto. E que entre seus vizinhos tinha um homem chamado Mercedo José que tocava piston fantasticamente. E que foi o músico que fez com que ele se encantasse pela música. E este homem era meu tio, irmão da minha mãe. E ele morou na minha casa quando eu também era criança, com a família, em uma época em que estavam com dificuldades financeiras. Este meu tio organizava circos no fundo do quintal. Juntava as crianças da vizinhança, dava um nome artístico para gente, fazia a gente cantar. Além dele, tive educação musical desde sempre. Fomos obrigadas a estudar piano pelo meu pai, que também tocava violão. Este ano retomei os estudos de musica. Fazer musica é bom porque a gente às vezes se propõe a tocar por uma hora e, quando se dá conta, já se passaram cinco. Amo a música. Para mim é alegria pura.

 

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E como começou a se apresentar?Eu tocava violão na adolescência. Quando fui para a faculdade, era plena época dos festivais estudantis de música. Eu cantava em festivais de bossa  nova do interior paulista, cantava nas rádios. A música sempre fez de fato parte da minha vida.

 

Quando sua carreira como jornalista decolou, sentiu uma certa patrulha em relação ao que você podia fazer ou não?Senti. Claro. E acho que isso acontece, da gente se auto-censurar, ficar com medo de experimentar, porque outros jornalistas também nos censuram. Para mim, experimentar é viver. Nunca tive este preconceito. Tudo sempre foi muito livre. Outro tio meu, por exemplo, era apaixonado por jazz e foi quem educou meu ouvido. Aos quatro anos, eu já sabia assobiar Rosemary Clooney, Billy May, Stan Kenton, Harry James. Cresci ouvindo isso e me lembro dele me chamando e pedindo para assobiar tudo isso para seus amigos. Eu achava tudo lindo e saía assobiando sem medo.

 

Esta sua curiosidade de criança é o que ainda te motiva a brincar com a música. Exatamente. É a curiosidade infantil com que a gente devia tratar a vida que tem sido pauta de muitos artistas. Eu quero experimentar! Para que um dia eu não chegue lá na frente e diga: ‘Meu Deus, não errei nem acertei simplesmente porque não tentei.’ Cantar deveria ser uma terapia para todos. Todos sabem cantar. Basta tentar e treinar.

 

Você tem tempo de treinar, de ensaiar?Eu sempre arrumo tempo para fazer o que quero de verdade. Estou trabalhando com músicos extraordinários, no estúdio do maestro Ruriá Duprat (que é ganhou o Grammy 2009 de Melhor Disco de Jazz contemporâneo pela produção de Randy in Brazil, de Randy Brecker). Ele é excepcional. Tem sido um prazer. Ontem ensaiei com a banda por cerca de sete horas direto, sem comer, beber... Esquece tudo. É muito bom. A mesma sensação que tive quando gravei meus discos. É bom demais fazer musica, gravar, ouvir, testar, experimentar. É isso que está acontecendo. Quero fazer algo que valha a pena. É esta boa energia que espero que o público do Bour boun também sinta.

 

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Você não tem medo de subir em palco como o do Bourbon, por onde passaram tantos mestres do jazz?Tive este medo há um tempinho. E fui discutir isso no analista. Disse a ela: ‘Estou com medo.’ E ela respondeu: ‘Por que?’ E eu: ‘Não Sei. Talvez porque seja São Paulo. Porque o Bourbon è um lugar sagrado, maior…Não estou acostumada a lidar com medo. Em geral ele não entra no meu repertório. Mas resolvi e não tenho mais.

 

Resolveu como? Cantando. Quando a gente canta, resolve. É por isso que me ocupo. Para não ficar criando medos e sendo tolhida pelos limites alheios. Hoje há uma grita contra qualquer censura mas, ao mesmo tempo, os que levantam esta bandeira censuram os outros e dizem: isso não pode, não deve, não experimente. Já eu quero me expressar por todos os meios que puder. Fico feliz.

 

Incoerente é de fato o titulo perfeito para seu show. Isso! Quando estávamos começando, o Ruriá queria chamar de Influência do Jazz. Mas eu comecei a querer incluir uma canção que adorava aqui... outra ali. E o repertório foi ficando incoerente. Liguei para ele e disse: o nome tem de ser Incoerente. Porque a vida é incoerente, porque eu sou incoerente em tudo. Ainda bem. Não estou plasmada. E porque meu gosto musical é incoerente. Eu ouvi de um tudo. Sou uma menina do interior que ouvi desde bossa nova a jazz, passando por um pop. É isso que vai ter. O Ruriá fez arranjos lindos e eu tive de me renovar e me arriscar.

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Alguma canção em especial?Todas. Mas adianto que haverá um bloco de canções clássicas com arranjos super contemporâneos do Ruriá, como Boneca Cobiçada, que ganha um arranjo sofisticadíssimo. Uma canção tão caipira, que sempre ouvi. Tem uma que entrou porque eu queria homenagear um deus da musica brasileira, o Johnny Alf, que morreu este ano. Nos anos 70, eu o conheci quando ele era professor de piano da minha irmã mais velha. Ele já era consagrado, mas ainda tinha de ganhar um trocado extra. Enquanto ele dava aula pra ela, eu observava. E incluí uma canção icônica dele. E tem Eu e a Brisa no show. Vou cantar pelo menos duas músicas que brinco: ‘Estou fazendo este show só para poder cantá-las. Uma vez ouvi durante um vôo nos EUA, que se chama I Keep Goin’ Back to Joe’s e a outra é Quando tu Passas por Mim, de Antonio Maria e Vinícius. Enfim, está muito incoerente.

 

Considera-se uma cantora profissional?Tenho outras vocações que me levaram para profissões. Sou jornalista e atriz. Tenho uma carreira de dez anos como atriz à qual me dediquei, fiz cursos, exames, tenho carteira... Já a musica eu mantenho na área do prazer. Quando eu vou a lugares em que há um piano, e eu conheço o pianista, dou uma canja... Gravei meus discos porque sentia necessidade de fazer algo diferente.

 

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Como surgiu a ideia de gravar seu primeiro CD, ainda nos anos 80? Foi na época do TV Mulher. O sucesso do programa era tão grande que me bateu um desespero. Pensei: Meu Deus, nunca mais vou conseguir sair daqui! Não vão me deixar fazer mais nada na vida. E liguei pro Boni, que já tinha me ouvido cantar. Eu perguntei: ‘Você gosta de me ouvir cantar? Deixa eu cantar no Fantástico? Preciso fazer uma outra coisa. Não quero me ‘entronizar’ no TV Mulher.’

 

E ele?Respondeu: ‘Grava. Se der certo, vai pro ar. Se não, não vai.’ E gravei: ‘Que uma mulher nunca pode nada, isso eu já sei...’ Ser, Fazer e Acontecer do Gonzaguinha, cuja letra era perfeita para o momento e que nunca tinha sido gravada por nenhuma mulher. Foi ao ar e recebi dois convites para gravar. Aceitei o da Som Livre.

 

Você arranja tempo para tudo. Até para namorar?No momento não. Se eu quisesse, estaria arrumando tempo. Até meados deste ano eu andei ‘brincando’ nesta área, literalmente, pegando um daqui outro dali. Mas estou muito ocupada e não estou sentindo falta. Não estou tendo muito mais paciência para ficar encontrando pessoas. Este é um jogo em que você tem de se empenhar. Não estou me empenhando porque não estou sentindo falta. Tirar a roupa pela primeira vez, por exemplo, é uma complicação... demanda empenho! Eu tenho saído sozinha. Fico muito bem comigo. Quem sabe acontece algo do tipo ‘caiu do céu’. Se não, não mais. Já casei, namorei, tive meus filhos e fui muito feliz nesta área. Estou numa fase de amigos e amigas, com quem eu saio de vez em quando e estou muito bem assim.

 

Você acha que esta fase se deve ao fato de que você está mais velha?Não. Você diria que eu tenho 62 anos? O que a idade me trouxe, por exemplo, foi a generosidade. Sempre fui muito critica e auto-crítica. Hoje estou mais tolerante, mais doce. Minha relação com meus filhos ficou mais íntima, leve. Vou ser avó e estou adorando. Estou fazendo o que tenho vontade de fazer.

 

Há algo como jornalista que você ainda não fez e tem vontade de fazer?Não. Eu gosto de conversar. Quer dizer, gosto de aprender. Quando pergunto e me respondem e eu descubro algo em uma resposta, é a felicidade. É uma curiosidade que exercitei e que hoje posso dizer que se chama um talento. E aí voltamos ao começo da conversa, quando disse que devemos tratar a vida com a curiosidade das crianças. Não é algo falso. É genuíno. Não tive ainda as minhas respostas. Eu continuo perguntando.

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Você, por exemplo, não precisava fazer o Roda Viva.Não precisava. Mas você não sabe o prazer que está me dando. Estou muito feliz de trabalhar em grupo. É outra dinâmica.

 

Como você divide o seu tempo?Até quarta eu me ocupo dos programas. No fim de semana estudo a pauta do Roda Viva, gravado na segunda. Depois, do GNT e do SBT. Mas as manhãs são minhas. Sigo um ritual. Levanto, tomo um litro e meio de água uma hora e meia antes de tomar café, leio meu jornal, aí tomo meu café longo.

 

E produtos de beleza?Tomo ácido linoléico para manter a massa magra, Pantogar, que é queratina pura, para cabelos e unhas, lixo literalmente a pele com escova de crina de cavalo, e tomo banho frio para literalmente me preparar para qualquer tipo de clima. Sou a rainha dos cremes desde sempre. Detesto fazer compras, mas adoro um creme. Uso um para os olhos, outro pro rosto, outro para as pernas, outro para as unhas, para as mãos... Mas faço tudo com muita rapidez. Faz parte da minha vida.

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