PUBLICIDADE

Mais do que levar o Rei do Brega, a morte tira de cena um especialista em atingir o coração

'Ele sabia da gravidade do caso, mas não perdeu a alegria, o sorriso', disse o médico responsável pelo cantor Reginaldo Rossi

Foto do author Julio Maria
Por Julio Maria
Atualização:

Foi inesperado como dor de corno, rápido como amantes de bordel. Quando a morte chegou, na manhã de sexta-feira, 20, Reginaldo Rossi respirava por aparelhos em um hospital do Recife dias depois de sorrir com os médicos que tratavam de seu tumor no pulmão. “Ele sabia da gravidade do caso, mas não perdeu a alegria, o sorriso”, disse o médico responsável, João Pinho Alves.

PUBLICIDADE

Aos 69 anos, 70 seriam em fevereiro, Reginaldo Rodrigues Santos Rossi não teve tempo para entrar em decadência física nem profissional. O que o Sul e o Sudeste viam como decadência, aliás, Reginaldo via como sustento. Cafona, brega, cantor dos despossuídos e psicólogo de bordel foram selos colados com tapinhas em suas costas sobretudo por críticos de música dos anos 80. Um resíduo cultural que Reginaldo reciclava para fazer virar fortuna artística.

Quando tudo começou, na segunda parte dos anos 60, Reginaldo Elvis Presley Rossi ergueu as golas de sua jaqueta branca e saiu cantando iê-iê-iê. Homem de raciocínio lógico treinado nas faculdades de Engenharia Civil, Física e Matemática, fez as contas e concluiu que valeria se lançar como rockabilly. Seu disco de estreia rendeu um hit, O Pão, nos mesmos moldes estéticos de Roberto e Erasmo Carlos – órgãos Hammond, guitarras duras, poesias moles. Seria mais um entre a turma não fosse o sotaque pernambucano estranho a um movimento nascido no excludente eixo Rio-São Paulo, a Jovem Guarda da TV Record.

Rossi tentou mais e fez, ainda sob a áurea jovem guardista, outros dois discos abençoados pelo poder canonizante da morte e elevados, a partir de hoje, à condição de cult: Festa dos Pães, de 1967, e O Quente, de 1968. Álbuns que trazem artifícios que a chamada “nova MPB” de Marcelo Jeneci e Fernando Catatau não se cansa de usar.

Ao perceber que o Titanic do Programa Jovem Guarda afundava no final dos anos 60 – Roberto Carlos conseguiu se salvar nadando até o Festival de San Remo para virar cantor romântico enquanto Erasmo chegou de bote à ilha da fantástica black music brasileira – Reginaldo deu um pulo do gato para trás. Em vez de pegar a onda e seguir suas referências, aumentou o som dos teclados e passou a chorar mais alto. Como Odair José e Fernando Mendes, dava o cotovelo à palmatória para cantar dores de amor, propositalmente, sem nenhum refinamento. Quanto mais os sulistas o chamassem de brega, mais seus seguidores aumentariam no País. “Minhas músicas tocam no iPod do desembargador e no radinho de pilha do porteiro porque, independentemente da classe social, todo mundo sofre por amor e gosta de ouvir canções românticas. Quando um homem leva um chifre, o diploma cai da parede.”

Um frasista espirituoso, entrevistado impiedoso, Reginaldo vivia com esperteza o personagem ao qual a vida o escalou. “A melhor coisa do mundo é transar com mulher feia. Elas acham que ninguém as quer, que vai ser a última da vida delas e dão tudo”, dizia aos que queriam os conhecimentos do pornologista. “A bossa nova não foi unanimidade e morreu logo após seu nascimento porque o movimento foi criado por playboys que faziam letras que ninguém entendia. Uma chatice tremenda”, respondia aos polemicistas. “Não me incomoda ser chamado de brega, mas minhas canções são tão românticas quanto as de Roberto Carlos. Esse título foi dado por alguns jornalistas idiotas”, falava a quem quisesse ouvir. Mais do que “Rei do Brega”, título com o qual é enterrado neste sábado, Reginaldo queria ser reconhecido como um especialista na arte de chegar ao coração do homem comum. Pelas palavras do garçom Euclides Fausto, que estava ontem em seu velório, a missão foi cumprida: “Ele sentia a alma dos amantes, ele era um poeta do amor.”

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.