Maior acervo particular de música brasileira de 78 rpm é adquirido pelo IMS

Acervo Leon Barg, reconhecido como a mais importante coleção de música popular brasileira de discos de 78 rotações, passa a ser preservado pelo Instituto Moreira Salles; novo site vai disponibilizar o material

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Por Guilherme Sobota
Atualização:

Os esforços de preservação da música popular brasileira no século 20 têm um nome unânime entre pesquisadores e colecionadores: Leon Barg (1930-2009). Radicado em Curitiba na maior parte de sua vida, foi na capital paranaense que Barg reuniu o maior acervo particular de discos de 78 rotações de música popular brasileira do País. São cerca de 31 mil lançamentos das primeiras seis décadas dos 1900 que agora têm nova casa: o Instituto Moreira Salles.

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A estimativa do IMS é de que a coleção corresponda a 80% de toda a discografia nacional lançada no período: de artistas célebres como Carmen Miranda e Francisco Alves – a grande paixão musical de Barg – mas também de títulos pouco conhecidos de gravadoras pequenas de todas as regiões do Brasil.

É importante destacar a diferença entre os discos de 78 rotações e os discos de vinil (que funcionam a 33 rotações). Os 78, mais antigos, apesar de tamanho semelhante, eram feitos de outro material (geralmente goma-laca), armazenavam menor tempo de música e foram comercializados em larga escala até a década de 1950, quando o LP se popularizou de vez. Os 78 pegaram também duas fases de gravação musical: a mecânica, de 1902 a 1927 – com sons captados por meio de cornetas, a partir da vibração no ar, e a elétrica, de 1927 a 1964 – já com o uso de microfones. A diferença na qualidade de reprodução é enorme, mesmo nos arquivos já digitalizados.

Coleção. IMS já possui 20 acervos musicais, mas acréscimo do acervo Leon Barg é celebrado pela instituição Foto: Wilton Junior/Estadão

A coordenadora de música do IMS, Bia Paes Leme, explica que a intenção da entidade é oferecer ao público o maior material para pesquisa possível, e mesmo com os 20 acervos que o instituto abriga atualmente, a discografia ainda estava longe de ser completa – é material de gente como José Ramos Tinhorão e Humberto Franceschi.

“Eles não foram colecionadores preocupados em completar o ‘álbum de figurinhas’”, explica Bia. “Nós entendemos que precisávamos completar o álbum. Ao invés de recortes curatoriais, tentar ampliar ao máximo, porque a música desse período é um patrimônio nacional. Leon Barg era reconhecidamente o maior colecionador do Brasil. Admirado e amigo de todos, tão diligente e dedicado a isso que viajava o Brasil inteiro de carro em busca dos discos.”

O fato de Leon buscar o melhor exemplar de cada lançamento é também um fato importante, lembrado por colegas e especialistas. “Ele trocava comigo, 10 discos por 1, porque a minha versão estava melhor”, conta o pesquisador e colecionador cearense Nirez. “Quem chegou mais perto de completar essa coleção foi ele.” 

Entre as obras mais raras do acervo de Leon Barg, está o primeiro disco gravado pelo “Rei da Voz”, Francisco Alves (com O Pé de Anjo e Fala Meu Louro), lançado em 1920, e a interpretação de Carmen Miranda para o choro Se o Samba É Moda, lançado pelo selo Brunswick.

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O compositor, escritor e pesquisador carioca Sandor Buys concorda que o acervo de Barg era o maior de música popular brasileira do período, e ainda atenta para outro fato. “Não existem mais matrizes dessas gravações lançadas em 78 rotações. Muitas gravadoras queimaram para vender a peso de metal. Isso torna as coleções de discos muito importantes, porque é o registro que sobra”, explica. Um dos esforços mais significativos na preservação desse material, diz, foi o do próprio Leon Barg, com a criação da gravadora Revivendo (leia aqui).

Acervo. Leon Barg em sua casa em Curitiba, em 1988 Foto: Ivone Bueno/Acervo Estadão – 16/11/1988

Os discos do acervo já foram transportados de Curitiba para a sede do IMS no Rio de Janeiro. As próximas fases englobam higienização, catalogação completa, digitalização das canções e a colocação à disposição de pesquisadores e público – trabalho previsto para iniciar em 2020.

“A operação foi inacreditável”, conta Bia. “Foram três caminhões, os discos foram embalados em caixas de madeira especiais. A transportadora mandou uma equipe de seis homens, e mais três da nossa equipe foram supervisionar. Levamos seis dias para embalar. Eram caminhões novos, com uma suspensão maravilhosa (risos), sem empilhar as caixas. Agora, está aguardando um espaço para começarmos a trabalhar aqui.”

Ela conta que o IMS vai colocar no ar um site chamado Discografia Brasileira. “O site está pronto”, diz Bia. “Vamos colocar no ar o acervo de discos que já temos, mais as digitalizações do Leon”, explica, lembrando que existem sobreposições. “Com a notícia do acervo, acredito que vamos conseguir que outras instituições colaborem, além de pequenos colecionadores. Eu mesma conheço alguns que possuem várias coisas que não temos. A ideia é construir e reunir nesse site o maior acervo de gravações de 78 rotações existente.”

Parte da coleção de discos de Leon Barg, em Curitiba, antes do transporte para o IMS no Rio Foto: Konrahd Karam / Instituto Moreira Salles
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