Mahler e Osesp em boa companhia

A maestrina Marin Alsop também rege Leonard Bernstein

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Por João Marcos Coelho
Atualização:

Se você pensa que o trabalho de um maestro hoje em dia é só ensaiar e reger seus músicos em concertos públicos, está muito enganado. A prova viva de que esta profissão hoje implica apurado senso de marketing, ampla cultura e sensibilidade social e política é a regente norte-americana Marin Alsop.

 

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Ela está em São Paulo e rege de amanhã a sábado a Osesp num programa desafio, a 7.ª Sinfonia de Gustav Mahler. Alsop venceu primeiro a questão de gênero, hoje tão debatida (foi a primeira mulher a assumir o posto de diretora artística e maestrina titular de uma orquestra importante nos EUA, a de Baltimore, em 2007).

 

Talento é fundamental. E ela é muito competente na regência. Mas basta olhar para o modo como alavancou a Orquestra de Baltimore para aprendermos lições fundamentais. Alsop fortaleceu os laços que já mantinha com a Naxos. E acaba de possibilitar aos músicos de Baltimore a chance de gravar para a Decca inglesa.

 

Internamente, fortaleceu os vínculos da orquestra com a comunidade. Primeiro, cada assinante ganha de brinde um ano de acesso, em streaming, ao catálogo de 5.000 títulos da Naxos (você pode comprar o acesso por um ano por meros US$ 19,95). Ela mesma apresenta, em vídeos postados no portal da sinfônica (www.bso.music.org), a temporada 2010/2011. Há grandes sacadas. Entre os meses temáticos, há um dedicado às músicas relacionadas com circo, por exemplo.

 

Lang Lang. Lá estão programados os Lang Lang da vida, para alimentar o público convencional. Mas há projetos de ordem social dedicados a crianças, como o Orchkids, espelhados em El Sistema venezuelano.

 

Ela também lançou o Rusty Musicians With the BSO. Convocou músicos amadores da comunidade para ensaiar e tocar sob sua regência por duas noites de gala ao lado dos músicos da orquestra.

 

Fazer mais um ciclo Beethoven seria mais do mesmo. Seria, porque nas mãos de Alsop se transformou em algo interessantíssimo. Uma das noites intitulava-se CSI Beethoven; e médicos da Universidade Johns Hopkins explicaram ao vivo as causas das doenças e da morte de Beethoven.

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Clássicos no dia a dia. Ela só acredita na música se esta chegar contextualizada à plateia. Parece banal; mas poucos fazem isso. Real formação de público, por exemplo, é levá-lo a acessar nos iPhones e nos Ipads o catálogo clássico da Naxos. Isso é colocar a música clássica no dia a dia das pessoas.

 

Alsop é hoje uma profissional factótum, que não só supervisiona, mas interfere em cada detalhe e determina minuciosamente a vida de sua orquestra - do ensaio ao concerto, do marketing às ações sociais. Ainda bem que não cabe mais hoje a imagem do regente tirano - como também não faz sentido a do maestro ausente.

 

 

 

NO REPERTÓRIO

Opening PrayerPeça de 1986 que reinaugurou o Carnegie Hall; nela, Bernstein evoca Mahler, o maestro-compositor no qual sempre se espelhou e de quem se considerava uma nova reencarnação. O texto cantado pelo barítono Leonardo Neiva é da Tora.

 

 

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Sétima SinfoniaA menos tocada hoje em dia e quem sabe sua obra mais moderna, por conta das fragmentações e de uma estrutura que, em cinco movimentos, faz os três temas centrais virarem "músicas noturnas". Arnold Schoenberg, Alban Berg e Anton Webern capitularam ao poder da música de Mahler por causa dela; mas Adorno detestou o dó maior e as afinidades com a abertura dos Mestres Cantores de Wagner no rondó final. Mahler estreou-a em Praga, em 1908. Fez 24 ensaios e toda noite levava ao hotel a partitura manuscrita para retocá-la. Um enorme desafio, para uma regente que adora esse tipo de embate. Marin Alsop regerá esta mesma sinfonia em Baltimore nos próximos dias 24, 25 e 30.

 

 

 

 

TRÊS RAZÕES PARA...

Gravações de Marin que você não pode perder

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l Antonín Dvorak - Sinfonia no 9, do Novo Mundo (Naxos): Hit instantâneo desde a estreia em 15 de dezembro de 1893, no Carnegie Hall, em Nova York. Há centenas de gravações dessa sinfonia. Mesmo assim, Marin Alsop colocou sua excelente leitura como finalista na lista dos CDs de 2008 da revista londrina BBC Music Magazine. Foi o primeiro CD com sua Orquestra de Baltimore, em junho de 2007.

 

 

2 Leonard Bernstein - Mass (álbum duplo Naxos): A iconoclasta missa de 1971 é obra meio maldita. Foi mal recebida e só gravada em 2004, por Kent Nagano. Marin Alsop homenageia seu mestre neste registro emocionante de 2009: 250 músicos e cantores de Baltimore celebram a música sem adjetivo de Bernstein, que passeia pelo popular e o erudito com talento e sem preconceito. Um triunfo.

 

 

3 George Gershwin - Rhapsody in Blue, Concerto em Fá e Variações sobre I Goth Rhythm, com Jean-Yves Thibaudet e Orquestra de Baltimore (Decca). Gravado e lançado em abril deste ano, traz o ótimo e maneirista Thibaudet em rara integração com Marin. Deve repetir o primeiro sucesso de vendas de Alsop, a Novo Mundo.

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