Magnético, Lee Perry hipnotiza platéia no Via Funchal

Reggaeman, inventor do dub, foi a grande atração do festival Abril Pro-Rock

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

Impactante acontecimento sociológico ou um show-room de grandes enunciados musicais? A carreira de Lee ?Scratch? Perry parece viver numa gangorra entre essas duas possibilidades. Ele em si é um espetáculo, como se misturasse inúmeras personas conhecidas: é uma espécie de Chacrinha com seus chapéus, anéis, pulseiras, colares e penduricalhos e as palavras de ordem repetidas como mantras na voz ardida; é um Profeta Gentileza rastafári pregando a paz universal, com referências à África-mãe nos símbolos da Etiópia aqui e ali; e também incorpora um Arthur Bispo do Rosário com seus mantos cheios de hieróglifos, a misteriosa bolsa colorida de curandeiro que ele não larga. O show de Perry no Abril Pro-Rock, no Via Funchal, na noite de terça-feira, serviu para mostrar que mesmo os revolucionários um dia têm de ganhar a vida. O som já está cristalizado, não é exatamente uma ousadia continuada, e todos conhecemos as inflexões do seu reggae, a cozinha irresistível de baixo e bateria (a cargo da banda White Belly Rats, afiado escrete de Scratch) fazendo eco em algum oásis antiracional do cérebro. O chapéu pontiagudo que ele portava no início do show lembrava aquele de O Aprendiz de Feiticeiro, da Disney, que o Mickey usava enquanto botava abaixo o mundo de medicina alternativa de Merlin. Scratch também anarquiza, mas já não parece preocupado em botar nada abaixo, apenas em balançar a cabeça e sacudir a massa, atuando como um MC. De vez em quando, Lee Perry tirava o chapéu e o expunha para a câmera, para mostrar as notas de US$ 1 coladas no forro. Uma ironia à voracidade do show biz, que o empurrou duas vezes para exílios diferentes. ?Paz, Brasil!?, dizia o reggaeman, e flutuava em volta de uma banda que parece tocar no piloto automático, tão conhecidos e certeiros são seus solos. Não é um reggae ?contaminado?, não abre demasiado espaço para o funk ou para outros gêneros. É o reggae autoral de Lee Perry, e, embora ele tenha inventado os fundamentos da arte da produção e do dub, é inteiramente tocado ao vivo, com uma banda orgânica, sem truques. Canções como War inna Babylon (Max Romeo) vêm em ondas, como o balanço natural de um balé negro nas ruas de algum gueto africano ou no Morro do Alemão. Scratch, de repente, iça para o palco uma menina nissei da platéia e ela fica em êxtase ao seu lado. Mas não dança, apenas põe as mãos no rosto, atônita, e depois se recusa a ir embora. Lee Perry veio mais para esclarecer do que para complicar. Ele finalmente voltou para um bis, quando já era para lá de uma hora da manhã, e ?para nós que não queremos a filosofia do demônio?, fechou com One Drop, de Bob Marley. E começou a autografar capas de discos e papéis que o pessoal da platéia lhe estendia.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.