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Maestro Valery Gergiev mostra precisão e energia

À frente da Filarmônica de Viena, russo faz apresentação inesquecível em São Paulo

Por João Marcos Coelho
Atualização:

Quem assistiu jamais se esquecerá do primeiro concerto do maestro russo Valery Gergiev no Brasil com a Filarmônica de Viena, na Sala São Paulo, na terça, 8, abrindo a temporada 2016 da Sociedade de Cultura Artística. A sonoridade arredondada, quente, vital, dos naipes; a energia, precisão e carisma do regente. E um repertório a caráter para mostrar o som único dessa orquestra fundada em 1842 por músicos que haviam tocado em 1824 na estreia da Nona Sinfonia de Beethoven em Viena: a abertura de O Holandês Voador, de Wagner; La Mer, de Debussy; e Quadros de Uma Exposição, de Mussorgsky na orquestração de Ravel. Quem não estava lá pode assisti-lo neste sábado, dia 12, à noite, na TV Cultura.

Como Gergiev, aos 62 anos, mantém ritmo de vida tão vertiginoso? Ele está comandando duas turnês simultâneas, com a orquestra do Mariinsky e Viena. Regeu os primeiros em Havana segunda-feira, 7, chegou a São Paulo no fim da tarde de terça-feira, dia 8, e pôs os pés na Sala São Paulo às 19h05, a menos de duas horas do concerto. Rege, na maioria das vezes, sem batuta e usa as mãos como um prestidigitador transmitindo energia por meio de pequenos movimentos nos dedos. Fez isso no ensaio de uma hora, quando só focou momentos-chave das obras; no concerto, usou uma minúscula batuta na mão direita. No ensaio, deixou claro o que queria dos músicos; e fez o mais difícil no concerto: uma performance com fogo e energia.

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Três exemplos antológicos dos vienenses com Gergiev: em Aurora no Mar, primeiro movimento de La Mer, encantou o terceiro tema, exposto pelos violoncelos em 4 divisi (ou seja, 4 partes diferentes), que já arrancara aplausos dos estudantes no ensaio; em Diálogo do Vento e do Mar, encerrando La Mer, o pianissimo mágico que precede o finale fortissimo; em Mussorgsky, entre tantos momentos fabulosos, a melodia em coral entoada pelos metais, encadeando sem transição fortes e pianos; e as madeiras, destacando-se o fagote, no safo balé dos pintinhos nas cascas dos ovos. Sem falar nos metais adocicados que mesmo nos tutti em ffff jamais encobriam os demais naipes ou soavam abrasivos.

Os músicos escolheram os dois programas da turnê. O de terça-feira foi perfeito: emoldura La Mer com duas fontes nas quais Debussy bebeu: o gosto pela melodia contínua (Wagner) e a, digamos, forma aberta de Mussorgsky. Ele se definiu, ao descrever a atitude do russo no ato de compor, como “arte sem receitas”. Ele parece, escreveu, “um selvagem curioso descobrindo a música a cada passo traçado por sua emoção”. Impossível não lembrar de sua profissão de fé: “Não há teoria, basta ouvir. O prazer é a regra”.

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