Maestro inglês Antonio Pappano fala sobre novos discos e concertos que fará no Brasil

Orquestra da Academia de Santa Cecília, de Roma, desembarca no País em maio

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Por João Luiz Sampaio
Atualização:

Com a imprensa reunida, o maestro Antonio Pappano não poupava elogios à Orquestra da Academia de Santa Cecília, de Roma. Era o anúncio oficial de sua chegada ao posto de diretor artístico do grupo, que ele definia, sem hesitações, como um dos mais importantes da Europa, “de extraordinária qualidade”. Os elogios continuavam, até que um jornalista o interrompeu: “Maestro, a orquestra pode ser boa, mas não é a Filarmônica de Berlim”, disse. “E qual o problema? Eu certamente não sou Herbert von Karajan”, respondeu Pappano.

A história é lembrada com bom humor por um músico da orquestra no documentário The Italian Character, sobre o grupo, lançado no ano passado, para marcar os dez anos de parceria entre a sinfônica e seu diretor. Mas se é verdade que a Orquestra da Santa Cecília não atingiu o olimpo da vida musical berlinense, é justo também ressaltar que, nos últimos anos, voltou a assumir papel protagonista na cena musical europeia – e deve isso ao trabalho de Pappano.

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Maestro e orquestra desembarcam em São Paulo em maio, para dois concertos, nos dias 7 e 8, pela temporada da Cultura Artística. No primeiro, tocam o Concerto n.º 1 para piano e orquestra e a Sinfonia n.º 5 de Tchaikovski; no segundo, além do concerto de Tchaikovski, a Sinfonia n.º 3 de Saint-Saëns. A solista será a pianista italiana Beatrice Rana. E um gosto das apresentações está no disco que o grupo lança este mês, no qual ela interpreta o concerto de Tchaikovski e o n.º 2 de Prokofiev, ambos sob o comando de Pappano.

“Essa menina é algo espantoso”, diz o maestro em entrevista exclusiva ao Estado. “É muito jovem, com um virtuosismo que assusta, mas com a rara qualidade de também ser elegante e refinada, profunda, características que esse repertório exige.” Sobre o restante do programa, ele faz relações poucos usuais. “A Itália produziu poucos compositores puramente sinfônicos. Mas, por mais estranho que possa parecer, a música russa nos serve muito bem. O russo é um idioma cujas frases são construídas de modo que os italianos entendem bem, há uma qualidade cantabile das melodias com a qual podemos nos identificar. Além disso, o cuidado com a melodia é sempre o primeiro aspecto definidor de uma orquestra latina, e isso é importante tanto em Tchaikovski como em Saint-Saëns.”

Entre culturas. Pappano veio ao mundo em meio a duas culturas – e foi, com o tempo, acrescentando outras ao seu dia a dia. Nasceu em Epping, pequena cidade britânica de pouco mais de dez mil habitantes, para onde seus pais, naturais da vila italiana de Castelfranco in Miscano, com seus 900 moradores, se mudaram nos anos 1950 em busca de trabalho. Aos 13 anos, foi parar em Connecticut, onde formou-se em piano e regência, seguindo mais tarde para a Espanha e a Alemanha, onde trabalhou como assistente de Daniel Barenboim. 

Há cerca de dez anos, voltou – duplamente – às suas origens. Na Itália, terra da ópera, assumiu a Orquestra de Santa Cecília, dedicada ao repertório sinfônico; e em Londres, com sua profusão de tradicionais orquestras, assumiu um dos principais teatros líricos do mundo, a Royal Opera House Covent Garden. Ironia do destino, que o maestro tem contornado ao diversificar o repertório de seu grupo italiano – dando à ópera um papel importante. “É uma maneira dos músicos relembrarem de onde eles vêm. Ao mesmo tempo, temos gravado muito, repertórios distintos, o que permite uma ampliação de horizontes.”

A gravação da Aida, de Verdi, lançada em dezembro, é um testemunho dos caminhos da sonoridade atual da orquestra. Pappano ressalta que o clichê associa à Itália a paixão, a personalidade, o excesso, “mas esquece de mencionar às vezes a intimidade, o romance, que são coisas tão importantes e mais sutis.” Talvez por isso sua Aida seja tão repleta de contrastes, com um início que soa quase como um oratório, preâmbulo à exaltação sentimental que se segue. Ele concorda. “Há, por trás do óbvio, um comportamento evasivo de todas as personagens, que não é passional da maneira convencional. Há segredos, mentiras, sobre os quais, ao contrário do que é comum em ópera, eles demoram a se pronunciar.”

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Pappano mantém uma relação antiga com Verdi: nos anos 1990, seu registro da versão francesa de Don Carlos possibilitou uma reavaliação da obra, ao mesmo tempo em que o lançou definitivamente no cenário internacional. Desde então, tem gravado regularmente, apesar do espaço cada vez menor que óperas completas têm no dia a dia das grandes gravadoras. “Há hoje o grande atrativo do DVD, mas ele não vende, ou vende muito pouco, serve apenas de registro de algo que aconteceu. Agora, entrar em estúdio para gravar uma ópera só faz sentido de verdade se tiver os ingredientes, grandes cantores, uma boa orquestra.”

No Covent Garden, Pappano trabalha na diversificação do repertório. É uma das apostas em um momento “assustador, mas necessário”. “Há a internet, o vasto legado de referências do passado, a questão do tipo de montagem que se produz, entre tradição e vanguarda, a necessidade de falar com uma nova plateia.” Mas, no final das contas, não se pode perder de vista o que a ópera tem de mais interessante. “Posso falar de minha experiência pessoal. Eu me identifico com a paixão dessas personagens, com a força de suas emoções. No mundo de hoje, há pouco tempo para a contemplação. E por isso perdemos essa intensidade, essa paixão, no dia a dia. A ópera é uma maneira fascinante de reencontrá-las.” 

ANO DE ESTRELAS

Valery Gergiev

O maestro russo, um dos maiores do mundo, rege a Filarmônica de Viena em março, abrindo o ano de grandes regentes e orquestras da Cultura Artística 

Kent Nagano

O regente vai comandar, em setembro, concertos da Filarmônica de Hamburgo, com o violoncelista Gautier Capuçon e a soprano Mihoko Fujimura 

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Leonel Biringuier

O maestro, em ascensão no cenário internacional, estará à frente da Orquestra Tonhalle de Zurique, em outubro, com solos de Nelson Freire

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