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Madonna tenta lidar com o fato inegável de que está ficando mais velha bem diante dos nossos olhos

Determinada, grande diva do pop aderiu a uma espécie de cruzada contra a discriminação da idade

Por Jancee Dunn
Atualização:

No vídeo de Bitch I’m Madonna, lançado na semana passada, a pop star do título, num vestido colante de Moschino com estampa de leopardo, cabelos de um rosa intenso e adornos de ouro nos dentes, corre pelos corredores do Standard Hotel pela High Line (o elevado transformado em alameda) de Nova York. “O baixo está bombando”, ela canta, acrescentando uma frase sugestiva antes de transar com algum sujeito no corredor. 

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Madonna faz 57 anos em agosto. Como costuma enfatizar, a idade não a obrigará a reduzir o ritmo. “Calem a boca, suas p... ciumentas”, escreveu recentemente na sua conta no Instagram. “Espero que vocês gostem de se divertir e de correr riscos como eu quando tiverem minha idade!!!! Hahahhaha quero ver.” 

Entretanto, o assunto de sua idade avançada domina aparentemente todas as conversas a seu respeito, porque, querendo ou não, ela aderiu a uma espécie de cruzada contra a discriminação da idade. Desde que comecei a acompanhá-la de perto, venho observando fascinada, e também nauseada, suas tentativas de lidar com o fato inegável de que está ficando mais velha bem diante dos nossos olhos numa época de autodocumentação obsessiva e de crescente e excessivo compartilhamento - que ela ajudou diretamente a criar. 

Eternamente jovem. Prestes a completar 57 anos, ela aderiu a uma espécie de cruzada contra a discriminação da idade Foto: John Shearer/Invision/AP, File

Nos últimos meses de publicidade de Madonna para seu álbum mais recente, Rebel Heart, balancei entre a indignação diante da quantidade de piadas sobre velhas senhoras (sua queda na cerimônia de premiação da BRIT Awards provocou uma preocupação simulada com a possibilidade de que tivesse quebrado o fêmur) e embaraço por sua febril determinação a ser a mais jovem e mais desbocada mulher de 56 anos. 

E há mais: o beijo esquisito no palco com Drake, a foto exibindo-se topless na revista Interview, as insistentes manifestações de libido. Ao lado da foto no Instagram do modelo masculino Andrea Denver de torso nu, ela escreveu algo como “Caramba! De matar!” (e três coraçõezinhos emojis e um polegar erguido). Quando Madonna levantou sua roupa de matador de Givenchy para exibir rapidamente seu derrière coberto apenas por uma rede, no tapete vermelho na entrega do Grammy, reagi inicialmente com uma espécie de admiração clínica (seus exercícios físicos devem ser intensos, considerando a massa de músculos que a gente perde a partir dos 30), seguida por uma desaprovação moralista (o que é isso? os fotógrafos não irão ignorá-la se você não se preocupar em impressioná-los). 

Por que ela precisa mostrar uma necessidade aparentemente compulsiva de chocar e excitar as pessoas, segundo um manual que agora tem mais de trinta anos? De fato, ela está se reinventando constantemente, mas será que está evoluindo? “Chega uma hora na vida de toda Salomé”, escreveu certa vez Harvey Fierstein, “em que ela deveria desistir de deixar cair o último véu”. Será que a rainha da reinvenção chegou a este ponto? Certamente, no que diz respeito ao seu processo de envelhecimento, é fácil apelar para uma atitude cética. 

Sua pele é perfeita, como mostra a foto que ela postou no espetáculo de gala do Costume Institute no Metropolitan Museum of Art, espremida entre Katy Perry e Lady Gaga muito mais jovens. Além disso, sua forma física é sobrenatural, aperfeiçoada por exercícios extenuantes seis dias por semana, e exibida na campanha de publicidade de Versace. 

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Grande parte da angústia a respeito de sua idade concentra-se na sua falta de dignidade. Mas ela não é uma embaixadora da ONU - é uma estrela pop. E não devemos esquecer de que se estrelas pop agora disparam chantilly do sutiã, e usam vestidos feitos de carne, é porque tentam superar o padrão que ela estabeleceu. Em seu documentário de 1991, Madonna: Truth or Dare, as câmeras eram vouyeristas, o que parecia radical na época, e hoje misteriosamente profético: aqui temos Madonna sorvendo ruidosamente a sopa enquanto bate papo no telefone, lá o médico examina a garganta de Madonna. Warren Beatty era seu namorado na época. Agora vivemos constantemente em frente à câmera, mexendo sem parar no Instagram e tuitando cada gesto para o mundo. 

O exame da garganta de Madonna é comedido em comparação ao programa Keeping Up With the Kardashians, no qual não nos surpreenderíamos de ver o registro do começo do cólon para a posteridade. Kanye West, um cunhado das Kardashian, chama Madonna de “a maior artista musical visual que jamais tivemos”. Seus vídeos de música (mais de 60) contribuíram para definir o gênero; ela fez mais singles (45) do que qualquer outro artista. Juntamente com Michael Jackson, ela transformou o formato do vídeo, antes uma performance rotineira - ou, no início, uma série de cenas bizarras filmadas com um orçamento insignificante - numa história contada em 4 minutos com várias facetas emocionais. Mas ela chegou tarde na mídia social (entrou no Twitter em 2012 e no Instagram em 2013) e cometeu uma série de gafes quanto tentou se equiparar aos mais jovens. 

Em 2000, quando a narrativa era mais fácil de controlar, eu a entrevistei para o artigo de capa da revista Rolling Stone. Nossa conversa seria em seu escritório, na Maverick Records em Los Angeles. Extremamente nervosa, cheguei com um hora de antecedência - tinham me falado que ela não tolerava atrasos - e sentei em frente ao prédio, tentando acalmar meu coração que batia desordenadamente. Ela foi espirituosa e mostrou-se bastante preparada, contou histórias divertidas, como seu pior emprego quando adolescente em Michigan: era faxineira, e tinha de limpar toaletes nas casas de meninos famosos. 

Fui ao banheiro ao lado do seu escritório, abri o armário e cataloguei diligentemente seu conteúdo para os meus amigos: um vidro de perfume francês, um spray facial de gerânio de uma marca chamada Tree of Life (que todos nós gastamos os tubos para comprar) e loção facial La Mer. Ela tinha uma ossatura perfeita e miúda, embora estivesse nos meses finais de gravidez do filho Rocco. A certa altura, tive de ajudá-la a levantar bufando de uma poltrona. Era engraçado ver uma pessoa tão famosa por seu vigor sobre-humano, tão vulnerável fisicamente. Agora vejo-a igualmente vulnerável, mas de maneira diferente, o seu mau humor, que provoca constantemente sua raiva, ofusca o seu talento.

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O curioso é que gosto do seu tríceps, sua voz é mais forte do que nunca, principalmente em março durante uma atuação ao vivo de Ghosttown no iHeartRadio Music Awards, sem bailarinos com chifres, apenas Taylor Swift na guitarra - que melhor testemunho do poder de Madonna do que ter um dos maiores astros do planeta para acompanhá-la! Entre as músicas mais intrigantes de Rebel Heart está o single, o inquietante Joana d’Arc, em que ela revela que, contrariamente ao que se acredita, os que a odeiam realmente a deixam possessa. “Toda vez que escrevem uma palavra de ódio”, ela canta, “arrastando meu coração no lixo/ quero morrer”. 

Nas entrevistas, Madonna afirma repetidamente que está derrubando portas aos pontapés para que as mulheres que a seguem não precisem se preocupar em combater a discriminação da idade. Talvez esteja começado a mudar o paradigma: a revista People escolheu Sean Connery como o Homem Vivo Mais Sexy aos 59 anos (e careca como um melão), enquanto Halle Berry em 2008, aos 42 anos, é o atual exemplo supremo da Mulher Mais Sexy Viva da Esquire.  “Eu me cuido; estou em boa forma”, disse a um jornalista depois da sua cena no Grammy, acrescentando alguns epítetos. E salientou que ela poderá mostrar seu traseiro nu “aos 56, ou aos 66 - ou até aos 76”. De fato, poderá sem dúvida, e o mundo provavelmente ainda falará dela. Como, a esta altura, é possível que eu tenha visto seu derrière com mais frequência do que o meu, não pretendo clicar sobre essas fotos. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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